A elasticidade do verbo "acreditar"

A manchete do Público de hoje, quinta-feira, é um exemplo paradigmático do jornalismo alucinado que actualmente se pratica em Portugal.

Cavaco Silva acredita que Governo sabia do negócio entre a PT e a TVI.

Para sustentar o título, o Público socorre-se de uma frase alegadamente proferida por Cavaco Silva na entrevista de ontem à RTP: a tentativa de compra da TVI pela PT "não podia acontecer sem o conhecimento prévio do Governo".
Ora acontece que tal frase nunca é proferida por Cavaco Silva, conforme pode ser comprovado aqui [a partir dos 22 min.].
Do que Cavaco Silva fala, a convite da jornalista, é de um cenário similar a este, que tivesse ocorrido no seu tempo (há duas décadas), quando a PT ainda era uma empresa totalmente pública.
Ou seja, Cavaco pronuncia-se sobre um cenário de algo que tivesse acontecido há vinte anos e - com muito boa vontade - poder-se-á extrapolar que Cavaco considera que era assim que deveria acontecer sempre.
Mas, honestamente, não é possível extrapolar, a partir do que Cavaco diz, que o Presidente acredita que, no caso concreto, o Governo tivesse conhecimento. Nenhuma das suas frases, por mais hesitantes ou mal construídas que estejam, permite tal leitura.

Nota: É claro, pode acontecer que Cavaco Silva pense mesmo o que está na manchete do Público. Mas isso já é toda outra história. Nesse caso, aquela manchete teria de ter tido a benção de Belém. Será que "a fonte" esteve de serviço ontem à noite?