quinta-feira, setembro 21, 2006

Pinto Monteiro ao Público [1] – “Só pode ser juiz quem deve e não quem quer”

Muitos de nós não conheciam o Juiz Conselheiro Fernando Pinto Monteiro. A entrevista que o futuro procurador-geral deu ao Público, no passado dia 6 de Agosto, constituiu como que uma agradável surpresa. Pinto Monteiro não se coibiu de expor as suas preocupações relativamente à magistratura judicial e à forma como está organizada. Vale a pena rever essa entrevista, reproduzindo alguns extractos:

    "PÚBLICO – No que respeita à ética, ou à falta dela, dos juízes portugueses, o que mais o preocupa?
    Pinto Monteiro – A falta de humildade de quem começa, para aprender. A justiça só existe para servir o público. Deve ser exercida em nome do povo, como diz a Constituição. O que acontece hoje é que temos a convicção de uma justiça que está acima de tudo, quando os juízes são homens que estão numa função sobre-humana, que é julgar homens iguais. Mas nunca partindo de uma ideia de grandiosidade que se instalou na magistratura portuguesa, fundamentalmente ao nível de quem começa. Essa ideia de grandiosidade tem prejudicado a imagem da magistratura. O que mais me preocupa é o facto de, neste momento, este Governo, ou qualquer outro, se fizesse um referendo, teria 80 a 90 por cento do povo português contra os juízes, que são a face aparente da justiça.

    Atribui essa impopularidade à conduta dos juízes?
    Claro que sim. À conduta dos juízes, do Ministério Público, do Governo, dos ministros da Justiça que temos tido, dos advogados, dos solicitadores … O desprestígio da justiça tem passado por todos. E agora, este Governo, ou qualquer outro toma as medidas que quiser contra a magistratura e tem o aplauso da esmagadora maioria do povo português.

    Um dos artigos do recente código ibero-americano de ética judicial consagra o “dever de cortesia” para com os juízes, o que considera uma “coisa linda”…
    Quando eu era juiz na Ponta do Sol, na Madeira, as pessoas que estavam sentadas nas escadas da igreja levantavam-se com o chapéu na mão quando eu passava a caminho do tribunal. Hoje ninguém faz isso, nem é exigível que o faça. Mas também não se pode partir do contrário. Agora, se for preciso, atiram-se pedras … O que tem de haver é um equilíbrio.

    Não há uma contradição quando diz, por um lado, que há falta de cortesia e, por outro lado, critica a falta de humildade por parte dos juízes?
    Não, a falta de humildade gera a falta de cortesia. As pessoas julgam-se tão importantes que pensam que não têm de atender os outros como se fossem seus iguais. Quando eu tinha estagiários, dizia-lhes para se levantarem para falarem com a mulher da limpeza. Hoje, penso que a maior parte dos juízes não se levanta nem perante o Presidente da República …. Isto não pode ser. Como explica Peter Singer num famoso livro sobre o lugar que a ética ocupa numa época de individualismo, a ética passa, principalmente, pelo respeito pelos outros, essa é a sua essência.

    No âmbito da justiça, há falta de respeito pelos outros?
    A todos os níveis. Uma falta de respeito do poder executivo pelo poder judicial, uma falta de respeito do poder judicial por alguns dos cidadãos, que não são convenientemente atendidos. Há uma falta de respeito mútuo que gera o desprestígio da justiça, que se vai reflectir no desprestígio do poder executivo. Hoje é moda dizer mal da justiça, mas essa moda reflecte-se no Estado de Direito. Um investidor estrangeiro vai investir num país onde se diz tal mal da justiça, onde sabe que nunca mais se cobram as dívidas? A justiça funciona mal mas empolaram de tal forma o funcionamento mau da justiça, com o apoio de toda a gente, que não sei como é que vão descalçar esta bota …

    Acha que os princípios de que o magistrado deve cultivar uma certa humildade e respeito pelos outros têm sido transmitidos no Centro de Estudos Judiciários (CEJ)?
    Penso que não foram transmitidos de uma forma suficientemente clara e evidente.

    Não foram e não são?
    Não sei exactamente como funciona o CEJ hoje. Mas o CEJ do qual fiz parte, na comissão de gestão, durante nove anos, bem como no conselho pedagógico, não transmitiu essa imagem.

    Porquê?
    Os tempos eram outros... Criou-se a ideia de uma certa grandiosidade do juiz, quase como um faraó … Hoje, penso que isso está a ser alterado, mas vai demorar muitos anos a contrariar.

    Qual a sua opinião sobre o desempenho de cargos públicos e políticos por magistrados?
    Penso que os magistrados só devem desempenhar cargos políticos ou públicos que não interfiram de maneira nenhuma com a sua função. Por exemplo, não devia ser permitido a nenhum juiz inscrever-se num partido político. E há muitos juízes inscritos em partidos.

    E quanto aos cargos de confiança politica, como o de director da PJ, dos serviços de segurança, dos serviços de estrangeiros?
    Não acho mal que a Judiciária tenha directores magistrados, acho que até oferece uma garantia de isenção. Quanto aos outros, tenho muitas dúvidas, por causa da dependência política. O que penso é que o magistrado tem de suspender a sua função e estar afastado da magistratura se desempenhar algum desses cargos.

    Acha que os juízes são devidamente controlados pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM) no que respeita às regras de conduta?
    Não, o CSM não controla rigorosamente nada. Faz um controlo meramente formal, quando tem de ser implacável.

    E não é?
    Não tem sido.

    Qual é a forma ideal de fazer essa fiscalização?
    Não tenho nenhum remédio. O CSM tem de ter uma visão aberta, não de classe corporativa que deve ser defendida pela associação sindical. O CSM não pode actuar como uma associação sindical. Assim como o Supremo não pode. Tem de haver uma garantia da independência, da seriedade, da honestidade dos juízes."

Esta parte da entrevista termina com as seguintes palavras de Pinto Monteiro: "(...) os juízes estão muito desacreditados. É preciso inverter isto. Temos de ter um CSM com regras que se apliquem a todos, da mesma forma, em todas as circunstâncias. Tudo o que seja corrupção, falta de isenção, falta de ética, deve ser punido severamente. Só pode ser juiz quem deve e não quem quer."

2 comentários :

  1. "os juízes estão muito desacreditados. É preciso inverter isto."

    Ora aqui está uma área em que o CC e o MA têm créditos formados e muito trabalho investido...

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  2. "Penso que os magistrados só devem desempenhar cargos políticos ou públicos que não interfiram de maneira nenhuma com a sua função."

    Mas não foi este mesmo juiz que desempenhou funções na LIGA e na Federação Portuguesa de Futebol?

    Lá dizia Frei Tomás....

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