domingo, janeiro 14, 2007

Os dislates do Alberto João




Inconformado com o acórdão do Tribunal Constitucional sobre a lei das finanças regionais, Alberto João veio verter a mais fina doutrina constitucional em entrevista dada esta noite à SIC-Notícias. Depois de ter ameaçado o juiz relator ou insinuado, em alternativa, que ele é corrupto, critica agora aquele tribunal por não ter condições para ser independente.

O que diz Alberto João? Diz, sem grande originalidade, que os juízes do Tribunal Constitucional deveriam ser escolhidos entre os juízes do Supremo Tribunal de Justiça e — concede, magnânimo — entre os juízes do Supremo Tribunal Administrativo.

Para fundamentar a sua posição, o soba da Madeira nota que os próprios jornalistas indicam, muitas vezes, que um juiz do Tribunal Constitucional foi proposto pelo PS ou pelo PSD. Daí infere que esse juiz não tem condições para ser isento.

Convém esclarecer, desde já, que o relator que tanta azia provocou em Alberto João, o Conselheiro Bravo Serra, foi proposto pelo PSD e é juiz do Supremo Tribunal de Justiça. Portanto, a argumentação (utilizando este termo em sentido figurado) do soba da Madeira cai logo por terra.

O acórdão que lhe provoca tanta azia foi aprovado por uma confortável maioria, com votos favoráveis de juízes propostos pelos vários partidos.

Mas aprecie-se com rigor a conversa de Alberto João:

    1. Em primeiro lugar, não seria correcto que o Tribunal Constitucional fosse composto apenas por juízes de outros tribunais. É que este tribunal aprecia as decisões de todos os outros tribunais para averiguar se interpretam as leis contra a Constituição. Ora, se fossem os juízes dos outros tribunais, sem mais, a fazê-lo, não teriam condições, aí sim, para ser isentos.

    2. Além disso, o movimento de revitalização dos tribunais, para evitar que eles se enquistem, aponta na direcção contrária à que é pretendida pelo anacrónico Jardim. Recorde-se que o pacto para a justiça estabeleceu que um quinto dos juízes do próprio Supremo Tribunal de Justiça será constituído por juristas de mérito, recrutados por concurso público fora da magistratura judicial.

    3. Por fim, caso Jardim ainda não tenha percebido, interessa recordar que seis juízes do Tribunal Constitucional são obrigatoriamente juízes de carreira [cf. artigo 222.º, n.º 2, da Constituição]. E sublinhe-se, a propósito, que, de entre eles, apenas dois votaram vencidos o acórdão, em condições de igualdade, porque foram indicados por áreas políticas diferentes.

    4. Mas os magistrados judiciais não têm o monopólio da independência. Os juízes do Tribunal Constitucional têm todas as condições para desempenharem as funções com total independência — tanto mais que, de acordo com a última revisão da lei desse tribunal, passaram a ter um mandato de nove anos, que não é renovável.

    Assim, quando os juízes do Tribunal Constitucional decidem, não precisam de agradar a ninguém para procurar a reeleição. É isso mesmo que dói a Alberto João. O que ele gostaria, e não aconteceu, é que os juízes que foram propostos pelo seu próprio partido para o Tribunal Constitucional votassem contra a sua consciência e a favor do interesse partidário no caso da lei das finanças regionais. Mas não. Jardim enganou-se. Teve, na realidade, aquilo que, com impante desfaçatez, diz querer: um tribunal constitucional independente!

    5. Por outro lado, “propor” não significa “nomear”. A Assembleia da República, órgão de soberania que, até ver, representa o povo, é que elege por dois terços (2/3) dos deputados dez juízes do Tribunal Constitucional [cf. artigo 163.º, alínea i), da Constituição]. Os restantes três juízes são cooptados pelos seus pares.

    Esta maioria qualificada exige um consenso alargado na eleição dos juízes. Os partidos limitam-se a fazer propostas, porque nós vivemos numa democracia pluralista. O problema é que essa democracia não agrada a Jardim. O presidente do Governo Regional foi educado pelo antigo regime, foi perito em “contra-subversão”, foi um distinto manga-de-alpaca da comissão de censura e passava bem sem partidos políticos — exceptuando o partido em que ele próprio mandar, claro está.

    Por isso, até já ameaçou líderes nacionais do PSD de tornar independente o PSD na Madeira: uma espécie de união nacional da Madeira, que faria conjunto com um tribunal constitucional regional, que Jardim, em tempos, já reclamou.

    6. Nada disto se passa em Portugal e nos outros países democráticos. Os tribunais constitucionais dos países democráticos são sempre designados fora do contexto dos tribunais judiciais normais. Nos Estados Unidos da América, são escolhidos pelo presidente a título vitalício, o que não os impede de tomar decisões que desagradam a quem os designou. Na Espanha, na Alemanha e na Itália são designados pelo poder político ao nível parlamentar.

    Se Jardim tivesse alguma sensibilidade democrática, percebia a que se deve este método de escolha. Os tribunais constitucionais limitam o poder soberano legislativo do Estado. Se fossem uma emanação dos tribunais judiciais, os conflitos entre o poder legislativo e o poder judicial aumentariam inevitavelmente — e cairíamos, no pior sentido, numa “república dos juízes”.

    7. Seja qual for a opinião que se tenha sobre a justiça, é obrigatório reconhecer que o Tribunal Constitucional tem desempenhado um papel muito positivo na defesa da democracia e na densificação dos direitos fundamentais. Por isso, teve razão o constitucionalista Gomes Canotilho quando, numa conferência realizada há poucos anos, respondeu assim aos que defendem a extinção do Tribunal Constitucional (e, por exemplo, a atribuição das suas competências ao Supremo Tribunal de Justiça): “Perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem.”

5 comentários :

  1. Mas será que vale a pena continuar a perder tempo com tal calino!
    Só não digo que a culpa é dos Madeirenses, porque quem permitiu que o especimen abarbatasse fundos que desenvolveram a Região - e isso é positivo, mas não permite tudo! - foram os bacocos dos políticos continentais. Ah, Grande Sócrates!

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  2. Muito bom, Miguel, sobre o texto, ´so posso agradecer o esclarecimento.

    Gostei especialmente da ameaça da independencia, seria uma prenda no sapatinho - o Lateiro que fique lá com a ilha e deixe-nos em paz.

    Ainda não percebi como é que a Com. Social lhe dá tanta cobertura, - bem pode ser uma ferias na ilha á conta do orçamento

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  3. Será o Jardim que administra o metro do "continente"?

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  4. Ir buscar dinheiro a um saco sem fundo é bom, é barato e dá milhões. Será que a mama acabou mesmo?
    AJJatrdim disse ontem que irá fazer umas engenharias financeiras. Que insolência!

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  5. parabens pelo texto esclarecedor. esse tipo fala...fala... palermisses, bregeirisses, ordinarisses e não diz nada que se aproveite. está bem enquadrado politicamente. que fique pela sua ilhota e deixa os continentais em paz.

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