sábado, outubro 04, 2008

A reforma penal, o CDS e o Ministério Público

O juiz Pedro Soares de Albergaria escreveu dois posts [1 e 2] sobre a troca de experiências com um juiz alemão, ao abrigo de um programa da União Europeia. Vale muito a pena lê-los na íntegra.

Aqui deixo apenas umas breves passagens:
    «No mês passado, durante cerca de duas semanas, fui acompanhado, no meu dia a dia de juiz, por um colega alemão, ao abrigo de um programa de troca de experiências de juízes da União Europeia. Bem impressionado com certos aspectos do funcionamento dos tribunais (essencialmente, para surpresa minha, com as condições materiais de trabalho, nomeadamente a gestão informática de processos que, disse-me, é ainda algo distante no país dele), mostrou-se estupefacto com a presença em julgamento de menores de 16 anos (alguns em notória crise aguda de pânico), sem antecedentes criminais e por condução sem habilitação legal. No país dele, disse-me, tal situação seria “impensável” e que uma tal hipótese só seria possível se a “criança” se mostrasse renitente em seguir os trilhos da lei penal por 3 ou 4 vezes. Reconhecia-se que a mera presença dela na polícia era suficiente à satisfação das necessidades preventivas que a intervenção estatal almeja, nesta matéria. E, de resto, a lei processual penal alemã está munida de soluções que permitem aligeirar a intervenção do Estado na esfera do cidadão, quando um tal aligeiramento se justifique, passando por mecanismos de puro e simples arquivamento, no caso de culpa diminuta ou ligeira do agente e de inexistência de interesse público na prossecução penal, passando pela imposição de regras de conduta e injunções até ao chamado processo por ordens penais (um parente muito próximo do nosso processo sumaríssimo).

    (…)

    É um tique muito lusitano esse de supor que se faz uma lei e fica logo tudo resolvido. Ao contrário da política norte-americana, a nossa é, neste particular, uma espécie de “política criminal da avestruz”: diz-se que a lei obriga, suponhamos, o MP a promover a suspensão provisória do processo, verificados os seus pressupostos (por exemplo, ter sido um jovem com 16 anos, sem antecedentes criminais “apanhado” a conduzir sem carta a mota do irmão mais velho), e … pronto, dá-se de barato que cada magistrado o fará, sem mais. É aqui que o edifício se mostra construído sobre alicerces de papel. Porque desconhece as reais motivações dos operadores judiciários (p. ex., olvida-se que um requerimento daquela natureza não raro é mais trabalhoso de que acusação), esquece-se que a própria estruturação do trabalho deles é, de ordinário, pouco propícia a actuações estritamente conformes à lei (a forma de organização do trabalho do MP, em algumas circunscrições, de modo a que o magistrado que acusa não está presente em audiência é, se bem me entendem, um desincentivo à promoção de soluções de diversão processual), etc.»

6 comentários :

  1. Cingindo-me só ao primeiro parágrafo, a questão parece-me entroncar única e tão somente na Lei Tutelar Educativa, aprovada pela Lei n.º 166/99, de 14/09, cujo art.º 1.º reza:" A prática, por menor com idade compreendida entre os 12 e os 16 anos, de facto qualificado pela lei como crime dá lugar à aplicação de medida tutelar educativa em conformidade com as disposições da presente lei".
    Ora, esta opção legislativa da inimputabilidade dos menores em razão da idade, tem efectivamente sido bastante contestada pelo CDS que quer passar a imputabilidade para os onze anos de idade - segundo a tradição inglesa (?)- visa" (...)a educação do menor para o direito e a sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade"( cfr art.º 2.º).' o que não deixa de ser um disparate debitado pela professora Doutora Anabela Rodrigues!

    Se o juiz alemão ficou boquiaberto quando viu um menor de 16 anos em Tribunal, mais boquiaberto ficava se o Juiz Pedro Albergaria lhe dissesse que o fim último era a educação do menor para o direito... e como senão bastasse vem o CDS com a grande janela da oportunidade de colocar a fasquia nos onze anos de idade.

    Somos, de facto, muito modernos a começar no legislador de 1999 e a acabar em Paulo Portas!


    Uma discussão infindável... Mas lá que o juiz alemão tem razão, lá isso tem.

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  2. Caro Miguel:

    Com que então outra vez a brincar com lápis azul...?

    Então que patifaria lhe fizeram desta vez?

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  3. 16 anos criança? - tá bem ta

    Com 12 anos andam no crime, como eu presencei e de pistola em punho.

    Quer mais?

    Ze Bone

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  4. Bem te entendo! Já há muito desconfiava que a preguiça dos senhores magistrados os leva muitas vezes a decidir não da forma mais justa e conforme ao direito mas sim da forma que lhes dá menos trabalho.E depois dizem que a culpa é da reforma dos códigos penais!

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  5. Tem toda a razão, horacio.

    Os gajos do MP despacham papéis, no emprego, da maneira mais cómoda e preguiçosa. Mas, coitados, não lhes pode exigir mais. É que eles não fazem a mínima ideia do que seja Justiça. E, depois, lá estão os "inspectores" para os manter nessa "ordem"...

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  6. O problema da Justiça não é ela não funcionar. Antes pelo contrário, os agentes da Justiça são sempre colocados em causa quando ela começa a funcionar.

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