[Imaginem, se eles conseguem imaginar isto sobre o que se passa no Irão, o que eles não conseguem imaginar sobre o que se passa cá...]
- "Ia escrever sobre coisas que nos tornam fortes. Coisas como alguém dizer que precisa de nós. Eu preciso que Gonçalo M. Tavares continue a desactivar o lugar-comum. "Um espaço entre duas palavras que habitualmente estão ligadas permite a interferência, ali, no meio, de uma outra palavra." Leio isto e fico forte. No dia a seguir, que sorte, leio Rui Cardoso Martins sobre o discurso do primeiro-ministro e fico ainda mais forte. Depois continuo a folhear o jornal e quando dou conta é tarde, estou a ler Helena Matos.
Helena Matos é uma praticante do lugar-comum. A crónica chamava-se Fatal como o destino. Primeiro fiquei irritada, mas felizmente não tinha tempo. Dois dias depois continuava irritada e infelizmente fui reler. E por isso aqui estou, a escrever sobre uma coisa de que não preciso. Eu não preciso que Helena Matos se identifique como "jornalista" no fim de uma crónica como esta. Já não sabemos se a nossa redacção fecha amanhã e ainda temos que ler Helena Matos.
Diz-nos ela que "um dos problemas do jornalismo de causas é ver o mundo, no espaço que vai de Marrocos ao Irão, pelos olhos castanhos dumas protagonistas rapidamente transformadas numa espécie de vox populi". E dá o exemplo de uma reportagem de Bourzou Daragahi no LA Times (traduzida no PÚBLICO) em que a iraniana Anousheh, no meio da revolta em Teerão, deixa a mala ao jornalista para que telemóvel e câmara não sejam apanhados, e vai à procura do irmão.
Pois não é que Helena Matos reencontrou esta protagonista na reportagem de Delphine Minoui no Figaro? E desmascara tudo: "Anousheh, na sua versão francesa, vai sempre correndo com os seus olhos castanhos, procurando o irmão que tal como ela está nas manifestações contra Ahmadinejad e, pormenor obviamente muito mal contado em todas estas reportagens, entregando invariavelmente a uns desconhecidos o seu saco onde tinha a máquina fotográfica, carteira e telemóveis."
Em suma, estes "jornalistas de causas" arranjaram uma mulher de olhos castanhos, sempre a mesma, para dizer aquilo que eles próprios "querem ouvir". Mas, ensina Helena Matos, "para percebermos efectivamente o que está a acontecer no Irão temos de ouvir e ver também outros protagonistas".
A sério? Ainda bem que Helena Matos o diz. Talvez gostasse mesmo de o dizer pessoalmente a Daragahi e Minoui sobre quem lança suspeitas. Já eu, gostava de dizer a Helena Matos que Delphine Minoui vive em Teerão vai para 10 anos, ganhou o mais exigente prémio de reportagem em língua francesa, o Albert Londres, e vê e ouve mais iranianos do que aqueles que cabem na imaginação de Helena Matos. Como Helena Matos saberia se soubesse do que fala, os repórteres juntam-se para dividir despesas, o que não é problema se os públicos forem diferentes. Suponho que Bourzou Daragahi e Delphine Minoui estivessem juntos quando Anousheh lhes deixou a mala.
Têm uma razão extra para isso: são casados."
Alexandra Lucas Coelho, Público, 21 Junho 2009
Às vezes, me espanto ! Foi o caso com esta bela crónica de Alexandra Lucs Coelho. E já não é a primeira vez.Pecador me confesso.
ResponderEliminarfatal como o destino? Ou mortal como o destino?
ResponderEliminarAlguém reparou no flop dos "voos da CIA"?
ResponderEliminarEntão isso não era notícia de primeira página?
O que se passa no Irão? Irão os clérigos reagir à chinesa, fazer um massacre e continuar a ser recebidos em todo o lado com sorrisos?
Então e a "Human Rights Watch", não diz nada sobre o que se passa no Irão? Nem um comentariozito?