quinta-feira, setembro 16, 2010

Nitroglicerina constitucional [XV]

No artigo 133.º, alínea r) do projecto de revisão constitucional do PSD, confere-se ao Presidente da República o poder de, sob proposta do Governo e ouvido o Conselho Superior da República, nomear e exonerar os membros da direcção das entidades administrativas independentes (na prática, estamos a falar essencialmente das chamadas entidades reguladoras). Ora, esta aparentemente singela e inocente alteração constitucional traz, na verdade, muita água no bico. Por três ordens de razão:
    1. Em primeiro lugar, note-se que o projecto do PSD se refere à nomeação e exoneração. Mas não estamos aqui a falar de órgãos com um estatuto de independência? E não implica esse estatuto a existência de um determinado conjunto de garantias, designadamente de inamovibilidade dos cargos? Ou será que o PSD pretende pôr em causa a independência das entidades reguladoras? Será que pretende torná-las politicamente dependentes do Presidente da República? Afinal de contas, que sentido faz atribuir ao Presidente da República um poder de exoneração de cargos que, pela natureza das coisas e de modo a salvaguardar a sua independência face ao poder político, não devem estar sujeitos ou condicionados pela eventualidade de uma exoneração?

    2. Em segundo lugar, a referida norma acarreta, implicitamente, que o Governador (e demais administradores) do Banco de Portugal — que é uma entidade administrativa independente — deixe de ser nomeado pelo Governo, como actualmente está previsto, e passe a depender do Presidente da República.

    3. Em terceiro lugar, e não obstante a proposta de nomeação deva partir do Governo, esta alteração constitucional permite que o Presidente da República apenas aceite colocar à frente das entidades reguladoras homens que sejam da sua confiança, passando assim a ter uma enorme influência sobre um conjunto muito vasto e muito relevante de sectores económicos. O que equivale a criar nas áreas abrangidas por tais entidades reguladoras — e que vão da banca, seguros e mercado de capitais, às telecomunicações, à energia, à saúde, etc. — uma espécie de governo-sombra de iniciativa presidencial, em concorrência (e eventual conflito) com o Governo da nação.
Em qualquer uma destas dimensões, o projecto do PSD procede a um exponencial reforço dos poderes presidenciais. Para quem sustenta que não quer mexer no equilíbrio de poderes entre órgãos de soberania, o PSD acaba por modificar — e muito — a correlação de poderes constitucionais no que diz respeito à regulação dos mercados e mesmo ao governo económico do país.

(a continuar)

4 comentários :

  1. e então a nitroglicerina do endividamento? só distraem os distraídos

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  2. Não dêem tanta importância à proposta de revisão constitucional do PSD. É isso que eles querem, que lhes seja dada importância! A não ser que lhes perguntem concretamente, com números, onde e como esperam poupar e ao mesmo tempo desenvolver a economia com a revisão da Constituição! Com números. Parece-me bem mais importante o orçamento.

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  3. O anónimozinho pode fazer o favor de dizer aos portugueses para se comportarem como bons pagadores e deixarem de gastar acima, muito acima, da capacidade do País?
    Ou por outras palavras, faça o obséquio de dizer onde e como o OE deve ser financiado?
    Ou quais são as tais despesas do OE que quer cortar para com isso pagar a dívida externa, enquanto claro, proibe as importações de carros de luxo, de torneiras de super-hiper-luxo e de telemóveis topo do topo da gama?
    Ah, é verdade, sem esquecer a redução dos festivais de rock e todas as suas variantes e mais as férias sumptuosas nas Maldivas, nas Comores...nos Brasis, em Bora-lá-que-os-outros-pedem- emprestado...
    ?E os off-shores muito, ou chores pouco, como é que se estancam?
    Faça lá um esforço e contribua para a nossa felicidade...
    Reconhecido!

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  4. A MFERRER COM CARINHO.

    Adorei a sua resposta feita com elevação e certeira ao amago do "anonimo", alias todos os "garimpeiros" são anonimos, porque será...?

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