segunda-feira, março 14, 2011

Números que (não) falam

O Diário de Notícias tem vindo a publicar uma série de trabalhos em que pretende fazer o retrato do país. Esforço notável.

No entanto, não basta fasciculizar os dados, alinhar muitos gráficos e publicar umas entrevistas para se dar aos portuguesas uma ideia informada do país em que vivem e dos poderes que os governam.

Vejamos um exemplo da edição de hoje, dedicada aos gastos da Assembleia da República. E, ao acaso, analisemos o primeiro gráfico dessa edição:


O que nos diz o DN?

1. Que a AR gastou 20 milhões de euros em deslocações desde 2005. Um dado completamente irrelevante. Que quer isto dizer? Que é muito? Comparado com o quê?
2. Que em 2011 vai gastar o valor mais baixo dos últimos anos, mas que esse número não impede a soma de outro, "sonante", os tais 20 milhões em 6 anos. Que se quer dizer com isto? Porque não se diz, antes, que as medidas de contenção também estão a ter impacto na AR? Mistério...
3. Mas, para quem olha com atenção para o gráfico, o aspecto que mais salta à vista não é relevado nem explicado pelo DN - a acentuada quebra de despesas com viagens, de 2009 para 2010. Ora quem acompanha atentamente a política nacional sabe que isso se deve a um conjunto de medidas tomadas pela presidência da AR na anterior legislatura. O DN não sabe isso? Se sabe, por que não explica?

Em suma, um pequeno gráfico e o texto que o acompanha, parte ínfima do trabalho sobre a AR, são extremamente reveladores da falta de informação, e até da vacuidade, com que este trabalho está a ser realizado.

Interessa ao DN demonstrar que os políticos (estes políticos...) gastam muito dinheiro, gastam de mais. O fundamental seria saber se o dinheiro, muito ou pouco, que o exercício do poder custa aos portugueses se justifica, ou não. A isso, o DN não responde. Obviamente, isso daria mais trabalho. Mas esse não é ponto — isso não interessa ao Diário de Notícias.

7 comentários :

  1. Curioso este post sobre os estudos do DN. Já quando foi o anterior,agora editado pela fundação do A Barreto, os comentarios aos graficos eram nitidamente "formatados" para um objectivo. Logo não admira. É mais treta encapotada. Como se os proprios graficos e a maneira como são apresentados não fossem também uma forma de manipular, quanto mais os textos !

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  2. Também podiam pôr quanto custou a viagem à Capadócia para cumprir promessas privadas...

    Ou o custo per capita das deslocações da Assembleia e da Presidência.

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  3. Foi lindo ver no outro dia o António Barreto a defender o patrão...

    Uma declaração de interesses não lhe ficava mal...

    Esta coisa dos avençados opinarem no sentido do que parece é... tem muito que se lhe diga

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  4. Será que a campanha antipoliticos é da inspiração do politiqueiro mor que está sempre a falar contra os politicos?

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  5. E o aumento imenso de 2005 a 2009, foi feito por quem?

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  6. Caro anónimo das 02:22, o "aumento imenso" de 2005 a 2009 foi feito pelos deputados de todas as bancadas. Foi travado, em 2009, por uma decisão do presidente da AR, o socialista Jaime Gama. É a História, está escrita e não é possível fugir-lhe.

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  7. Seria também interessante escalpelizar a capa de ontem e os dados que a sustentam, segundo a qual em ano de cortes a AR aumenta verbas para vencimentos em 2,2 milhões de euros.

    Esquecendo que:
    a) o orçamento da AR não contemplava ainda (porque é anterior) os cortes salariais impostos pelo OE;
    b) pela mesma razão (por ser anterior), contemplava verba para possíveis recrutamentos;
    c) parte substantiva do aumento (cerca de 500 mil €) advêm do reforço da Unidade Técnica de Apoio Orçamental, criada supostamente para verificar as contas públicas;
    d) a verba em causa contempla funcionários parlamentares (370) e os funcionários dos grupos parlamentares;
    e) a verba em causa destina-se ainda a todas as entidades autónomas que funcionam na dependência da AR (são cada vez mais) e que reúnem sempre consenso no momento da sua criação.

    Mas, como alguém disse, parece que o objectivo não era este. Importante era dar a ideia que o Parlamento escapou aos cortes orçamentais. Era só uma questão de descobrir como.

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