- '(...) O PES foi apresentado apenas nas suas linhas gerais, é preciso frisá-lo. Não tem prazos de entrada em vigor, alguns dos ângulos de actuação ainda são uma incógnita, bem como também prolonga algumas medidas já existentes. Mas há medidas anunciadas agora como fazendo parte do PES que são a demonstração clara de como a concepção de sociedade que o Governo faz é desigualitária, de como o poder político em exercício não vê os cidadãos como iguais perante o Estado - como é regra em democracia - e como o PSD e o CDS têm, no fundo, uma visão classista da sociedade. O que, sejamos claros, é uma regressão civilizacional na organização social portuguesa.
Esta concepção vellhíssima de séculos agora recuperada faz, de um lado, serem anunciados, para breve, cortes nas prestações sociais para poupar despesa do Estado. Ou seja, cortes em verbas que são distribuídas de acordo com concepções do Estado-Providência, que redistribui riqueza de forma a criar condições de mais igualdade e justiça social. Uma realidade que em Portugal, em 2009, fazia diminuir para 17,9 por cento as pessoas abaixo do limiar de pobreza, que sem apoios do Estado atingiriam no mesmo ano os 43,4 por cento. Do outro, anunciam-se medidas conjunturais baseadas numa visão assistencialista de quem distribui esmolas a pessoas que têm um estatuto socialmente diferenciado, estigmatizando-as, portanto.
E atenção que aqui o problema não pode ser confundido com uma cedência à Igreja católica por parte do Governo. Por muito que esta regressão social agrade a alguns sectores da Igreja católica portuguesa, ela é sim uma opção ideológica clara do poder político. Isto porque o importante papel que a Igreja católica desempenha no combate à pobreza (são católicas e da Igreja uma enorme fatia das IPSS que actuam em Portugal) estava enquadrado no Modelo Social Europeu, tal como existe desde o 25 de Abril.
Mas citemos alguns exemplos de como o PES serve à introdução de uma nova organização social baseada numa ideologia não igualitária. Os trabalhadores que recebem subsídio de desemprego têm de estar disponíveis para trabalho voluntário. A medida irá ser enquadrada na modalidade de "trabalho socialmente necessário", já prevista na lei. Mas a forma como está anunciada aponta claramente para a introdução de trabalho compulsivo como condição para receber uma prestação social que é um direito constitucional de quem trabalhou e fez descontos para a Segurança Social, o que pode colocar problemas de constitucionalidade. E acima de tudo choca pela inversão de valores que indicia. Isto porque o subsídio de desemprego não é um favor, uma esmola que o trabalhador tem que merecer e compensar. É um direito que faz parte do Estado Social e da redistribuição da riqueza por si criada enquanto trabalhador.
Outro exemplo é a distribuição gratuita de remédios próximos de expirar o prazo de validade a pessoas de baixos rendimentos. Aqui está a aplicação clara do conceito de esmola ao que é o direito à assistência médica e de saúde pública que a Constituição prevê. Quer seja através da recolha junto dos cidadãos dos medicamentos já não utilizados e perto do fim do prazo, quer sejam as farmacêuticas ou as farmácias a dá-las aos serviços que vão organizar o sistema, trata-se de dar os restos, os remédios que sobram dos ricos e dos remediados e da indústria farmacêutica aos pobres que deles precisam. Já agora, será que a proximidade de fim de prazo não é prejudicial à saúde de quem vai ser assim assistido na sua doença? Ou será que os pobres podem tomar remédios estragados, se entretanto o prazo expirar? Mais uma pergunta: por que não introduzir de facto a unidose dos medicamentos? Será que não há poder político com independência e coragem para fazer frente aos interesses da indústria farmacêutica desde que Leonor Beleza foi demitida por Cavaco Silva precisamente por querer mexer com os interesses das multinacionais farmacêuticas?
Um último exemplo, para fazer face à fome que assola a sociedade portuguesa vai ser criada uma rede de "cantinas sociais", tudo indica que à imagem do Banco Alimentar contra a Fome que há anos funciona e bem, dirigido por Isabel Jonet. A medida seria excelente, não fora a forma preconceituosa e classista como foi anunciada. Ou seja, vão ser aligeiradas as regras de fiscalização sanitária e de segurança alimentar. Será que em Portugal a nova concepção de justiça social é mesmo a de que os pobres podem comer comida estragada, que os pobres podem apanhar salmonelas?'
O má-língua do José (do http://portadaloja.blogspot.com/), como vem soendo, demole esta prosa de SJA da cabeça aos pés, obstinado como sempre no seu "perfeccionismo" (?) e na procura de uma "verdade" que só ele possui na cartola, digo, beca.
ResponderEliminarConfrangedor e fora de moda...
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