terça-feira, fevereiro 07, 2012

“A classe média está a ponto de desaparecer, como factor de equilíbrio indispensável da nossa sociedade”

Mário Soares, Cimeira quase inútil:
    ‘E Portugal? Devo reconhecer que a degradação da situação portuguesa me preocupa imenso. Sei que o atual Governo tem apenas um pouco mais de seis meses de vida. E, como diz o povo, "Roma e Pavia não se fizeram num dia". Mas é perigoso não ter uma estratégia clara, quanto ao futuro, para dar alento aos portugueses, na situação tão difícil em que se encontram. Ora, o Governo, parece tão-só obedecer à troika. A qual, aliás, se comporta, sem pudor, como se fosse ela a governar. Não é. Porque cumprir o acordo assinado é uma coisa; ultrapassá-lo, modificá-lo, segundo os interesses e ir além dele, para agradar ou ser "bom aluno", é outra, muito diferente. Portugal, para além de não deixar de ser um Estado soberano, deve comportar-se como tal. Sobretudo, quando está em jogo a defesa dos interesses portugueses. É óbvio que a austeridade é necessária, mas está longe de ser tudo. Hoje, todas as pessoas, com bom senso, reconhecem que sem pôr um travão à recessão e ao desemprego não iremos a parte nenhuma. (…)

    A classe média está a ponto de desaparecer, como factor de equilíbrio indispensável da nossa sociedade. Os cortes no Serviço Nacional de Saúde e noutras conquistas sociais são tremendos para os desempregados ou para os pensionistas com pouco dinheiro. É, por isso, indispensável valer às pessoas em estado de verdadeira necessidade, custe o que custar, como disse o primeiro-ministro, a respeito do cumprimento das instruções da troika. Porque a troika tem na sua estrutura representantes de três instituições, duas das quais já não pensam só na austeridade, mas também no crescimento e na criação de mais emprego. São o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu. Portanto, as instruções da troika vão necessariamente mudar. É uma questão de tempo.

    Sempre fui contrário, neste momento de crise, a fazer privatizações. Mas já se fizeram duas, sem qualquer debate prévio e sem se saber o que o Estado português ganhou com elas. Foram, aliás, verdadeiras nacionalizações feitas por empresas de Estados que não primam, por ser democracias. O que ganhou com isso o povo português? E Portugal? Era importante sabê-lo. Julgo que o Governo não quer destruir o nosso Estado, não só no plano económico como também geoestratégico. Mas é isso o que parece. É, pois, necessário que o Governo - não obstante a legalidade que tem, vinda do voto popular - e os partidos que o compõem expliquem claramente ao nosso povo para onde o conduz a política até agora seguida. Será que em vez de emagrecer o Estado, como disse querer fazer, está pura e simplesmente a destruí- -lo? Que tremenda responsabilidade! Note-se que, ao contrário do que se diz, há muito dinheiro a circular e a ir para o estrangeiro. Mas não se sabe como nem por quem. É como a economia paralela. Com os cortes cegos, o dinheiro esvai-se sem se saber como nem porquê...’

2 comentários :

  1. Mário Soares continua a ser uma grande referência...deviam escutá-lo mais pois é um saber composto por muita e diversa experiência...
    É, também, o que se chama"um animal político".

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  2. É pena que a sua experiencia não seja aproveitada pelos dirigentes europeus! Já percebemos que os nacionais estão fechados a qualquer sugestão.
    MS é demasiado humanista para agradar a este governo!
    Bem haja MS!

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