sábado, fevereiro 04, 2012

Um fantasma

Vasco Pulido Valente, Um fantasma [hoje no Público]:
    Terça ou quarta-feira, estava a ler o jornal quando de repente encontrei um fantasma. O nome desse fantasma é "personalismo" e aparece num livro, coordenado por Aguiar-Branco, mas que Pedro Passos Coelho aprova e tem, além disso, 200 contribuições de anónimos. Foram precisas sete conferências, 18 assembleias distritais, 50 reuniões de trabalho e o incansável zelo do PSD para se chegar a este lindo resultado, que pretende ser uma reflexão sobre a "social-democracia" moderna e também a base para o futuro programa do partido. Esta obra teórica, que certamente não deixará de marcar o século, rejeita o colectivismo marxista, o estatismo, o individualismo liberal e o igualitarismo. E recomenda uma "sociedade sem luta entre as classes", "sem reconhecimento de classes" e mesmo "sem classes", porque "não há classes". Há só "comunidade".

    Isto merece uma breve excursão ao passado. Quem inventou o "personalismo" foi um francês, católico e, mais tarde, de esquerda (sempre uma incómoda mistura), que se chamava Emmanuel Mounier. Mounier começou pela direita e, depois da derrota da França em 1940, aderiu a Pétain e acabou por se tornar o principal inspirador de Uriage, a "escola de quadros de Vichy". Em 1942-1943, como toda a gente, virou a casaca e, na revista Esprit, que fundara em 1932, pontificou durante um tempo em nome da verdadeira "resistência", a que ele chegara, pelo menos, tarde. O que, de resto, não o impediu de justificar assanhadamente o terror de Estaline, em defesa da "pessoa humana" e dos trabalhadores.

    Mounier, na medida em que pensava, pensava que a revolução industrial dividira a sociedade em categorias e que era urgentemente necessário voltar à "comunidade" de origem, em que os trabalhadores lavravam a terra com a alegria e o consolo de uma grande família. Este regresso utópico a um mundo harmónico inspirou (tanto quanto sei) uma única experiência política: o regime vietnamita do dr. Diem e de madame Nhu, que achava bem que os bonzos budistas se imolassem pelo fogo. Em 1963, John Kennedy mandou remover esta espécie de benemerência e nunca mais se falou de "personalismo". Claro que, em Portugal, à falta de melhor, os católicos da oposição (entre os quais provavelmente Sá Carneiro) liam e acreditavam no Esprit. Mas nada disso justifica que em 2012 se ressuscite uma "doutrina" primária (se a palavra se aplica) como guia de um partido que se proclama inovador.’

1 comentário :

  1. Tanta ignorancia da forma como funciona uma sociedade moderna só podia dar nisto.
    Esta nova geração de gabinetes e laboratórios económicos misturada com escroques espertinhos que pulula no actual PDS não pode acabar bem e não vai deixar o pais de pé , se lá continuar por muito mais tempo.

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