terça-feira, novembro 12, 2013

O chumbo do PEC IV:
“Uma crise de liquidez tornou-se uma crise de solvabilidade”

Vale a pena ler as entrevistas que Paul De Grauwe, professor da London School of Economics e ex-consultor do Banco Central Europeu e da Comissão Europeia, deu na sua última passagem por Lisboa. De Grauwe diz tudo o que tem sido abafado pela propaganda do Governo. Talvez falte nestas entrevistas a explicação para a circunstância de o Governo querer ser o melhor aluno da troika: o ataque desenfreado aos direitos laborais, o ataque sem precedentes ao Estado Social (“totalitário”, chama-lhe Aguiar Branco). Faltou desmontar por que quer o Governo “ganhar o concurso de beleza da austeridade”.

A entrevista que o professor da London School of Economics deu à Lusa pode ser lida aqui. Outra que importa ler é a entrevista publicada hoje no Diário Económico (excertos aqui e aqui), em que refuta algumas posições do Governo que o jornalista interiorizou e lhe coloca (“falta de espaço de manobra na Europa”, “ganhar credibilidade na Europa”, etc.). Eis algumas passagens da entrevista:
    - O trabalho que Portugal tem que fazer é referido pela Europa e pelo Governo português. Mas não estão os mercados à espera de acção por parte da Europa?
    - Sim, é verdade. É seguramente insustentável continuar a fazer o que tem sido feito, isto é, Portugal carregando o fardo por inteiro da austeridade numa versão extrema. E vem aí mais austeridade. Isto não tem funcionado e, no entanto, o Governo continua a seguir algo que não tem funcionado e que tem o efeito de subir o rácio de dívida. Por isso, o único resultado razoável é os credores admitirem que é precisa uma reestruturação [de dívida], seja por extensão de maturidades ou outra forma. Há várias formas. O que é irrealista é continuar a fazer coisas que não funcionam. A certo ponto a legitimidade do Governo desaparece porque as pessoas não podem ter um Governo que impõe tantos sacrifícios basicamente para ter aplausos de Bruxelas e de Frankfurt. Espero que o Governo perceba que tem de representar os interesses de Portugal.

    - Mas Portugal não parece ter espaço de manobra na Europa: o défice ainda ronda os 6% do PIB e o acesso a financiamento no mercado está longe de garantido. Realisticamente que hipótese tem Portugal para mudar a política europeia?
    - Em primeiro lugar, eu percebo que o espaço de manobra para Portugal é limitado. É um pequeno país e é difícil encontrar aliados. No entanto penso que algo pode ser feito. O Governo português - não o povo português - tem tentado ser o primeiro da turma, ganhar o concurso de beleza da austeridade. Isso não tem funcionado.

    - Mas não é a forma de ganhar credibilidade na Europa e conquistar flexibilidade para Portugal?
    - Mas não tem funcionado. Penso que eram uma nação solvente quando a crise começou e foram afectados por uma crise de liquidez que, de repente, vos levou a ter que pedir dinheiro emprestado. Depois foram tão duros com vocês que agora têm uma crise de solvabilidade. O que começou por ser uma crise de liquidez tornou-se uma crise de solvabilidade. Não é realista continuar. Não entendo um Governo que está disposto a fazer mais do que a Comissão Europeia, que estava disposta a fazer as coisas de forma mais suave com vocês.

    (…)

    - Mas aqui o que transpira da informação que vai saindo do Governo é que a 'troika' [da qual a Comissão Europeia faz parte] não está disposta a flexibilizar o défice, por exemplo. As autoridades portuguesas podem tentar negociar fora do espaço público, algo que não passa para fora.
    - O Governo tem agora, por exemplo, um novo programa de austeridade, com cortes de mais de 2% do PIB. Não devia fazê-lo. Devia dizer "não continuaremos a fazer algo que vai prejudicar a economia e que não leva ao resultado que vocês, como 'troika', querem ter". Vamos dizer que não funciona. Porque temos de fazer coisas que não funcionam?

    - Se o Governo português disser "não" à troika que resultado pensa que haverá a seguir?
    - Keynes uma vez disse que se dever ao banco mil libras está metido em sarilhos. Mas se dever um milhão de libras, o banco está em apuros. Vocês têm de jogar esse jogo.

    (…)

    - Porque lhe parece que hesitam [Comissão Europeia, BCE e Alemanha]?
    - Algumas destas pessoas estão a lutar a guerra anterior a esta, a guerra da inflação. A inflação é menor que 1%. Não há perigo de inflação, o oposto [deflação] é que é verdade. E ainda assim eles hesitam. É vergonhoso que seja assim e prejudica-vos, aos países do Sul. Isto é a parte do BCE. A outra parte é a da Comissão Europeia e da Alemanha. Essencialmente o sistema tornou-se num em que os credores mandam e ditam aquilo que tem que ser feito, sendo que ao mesmo tempo são igualmente responsáveis pela crise. Por cada devedor irresponsável há um credor irresponsável. A responsabilidade partilhada significa que os ajustamentos devem também ser partilhados. No entanto, não é isso que vemos. As nações credoras puseram todo o fardo do ajustamento sobre vocês e a Comissão Europeia tornou-se no agente das nações credoras. Não vos representa, não representa os interesses das nações europeias como um todo, só os das credoras. Isso deve mudar. E deviam dizer-lhes que a Comissão Europeia devia começar a mandar troikas para Berlim. E dizer-lhes: "Vocês não estão a cumprir as políticas correctas e estão a prejudicar outros países." Mas eles têm medo.

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