Francisco Seixas da Costa Praxe:
- ‘É da praxe não falar na reestruturação da dívida, um eufemismo que se utiliza para referir o seu não pagamento parcial. Assumir que parte da dívida dos Estados nunca será paga afecta o mito de que ela é comparável ao endividamento dos particulares.
- Há uns tempos, um antigo político explicou que a generalidade dos Estados tem uma dívida recorrente, que procura "reciclar" através de novos empréstimos, a custos tão baixos quanto possível. Caiu-lhe logo "o Carmo e a Trindade" em cima, sendo "irresponsável" o mais doce qualificativo com que foi mimoseado. Há dias, um banqueiro na moda disse precisamente o mesmo. Um respeitoso silêncio dos cemitérios abateu-se sobre as suas declarações. A mesma verdade tem um valor relativo, proporcional às emoções e aos ódios com que é embrulhada.
O estado a que a nossa dívida pública chegou, nos últimos anos, não autoriza nenhuma vestal a ficar escandalizada se se afirmar que uma parte dessa dívida não tem condições objectivas para ser paga. A "reciclagem" que tem vindo a ser feita, nos altos e baixos do mercado, conduziu a que a taxa média dos nossos empréstimos se situe hoje não longe dos 4%.
Nestas condições, é por demais evidente que a cumulação de um processo de substancial amortização da nossa dívida com o respectivo serviço, em taxas próximas das actuais, é implausível, dado o crescimento e a inflação expectáveis. A menos que um perdão parcial venha a ser admitido, associado a uma renegociação de taxas e maturidades, Portugal ficará esmagado por um peso financeiro incomportável. E os primeiros a não beneficiarem dessa situação seriam os nossos credores externos, que não tirariam vantagens de uma economia asfixiada. Eles sabem isso bem. É, contudo, desejável que o assunto só surja à discussão num quadro europeu bastante mais sereno e estável. Mas deixemo-nos de ilusões: cedo ou tarde ele emergirá, dependendo o ‘timing' do modo como os mercados vierem a ler o grau de abertura do BCE para apoiar as economias europeias sujeitas a uma maior pressão.
É a Europa, com as flutuações dos seus humores financeiros, que todas as manhãs dita o destino dos nossos ‘spreads'. Por isso, constitui uma perfeita mistificação, que só frutifica numa opinião pública tão intoxicada como a portuguesa, a ideia que está a ser preparada de que resultará de uma nossa livre opção a escolha entre um programa cautelar ou uma saída "à irlandesa". É evidente que será apenas o modo como o mercado vier entretanto a comportar-se face às nossas necessidades de dívida (ou ao tratamento da mesma no mercado secundário) que ditará a solução a adoptar (como, aliás, aconteceu já no caso irlandês). Estar a criar a ilusão de que a alternativa releva da sabedoria de uma oportuna decisão nacional pode legitimar que se pergunte então a razão pela qual o "regresso aos mercados" não teve lugar na tão propalada data de 23 de Setembro de 2013¹. Não nos praxem, por favor!
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¹ Passos Coelho, em 11 de Março de 2012: “Já dissemos que vamos voltar aos mercados de dívida em Setembro de 2013 e é o que vai acontecer. Nessa altura, deixaremos de precisar de financiamento externo para a economia”.
Vítor Gaspar (ver vídeo), em 19 de Março de 2012: “A data crucial para o regresso aos mercados é 23 de Setembro de 2013 e certamente que esperamos ter crescimento positivo antes disso.”
"Eles sabem isso bem". Creio mesmo que muito bem.
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ResponderEliminarNão sabíamos que os solários em Londres, curavam a depressão a Horta Osório...