sexta-feira, maio 23, 2014

O vírus palito

• Fernanda Câncio, O vírus palito:
    «(…) Começa aliás na alcunha. "Palito" é lá nome de perigo, de horror. Dizemos "Palito" e não vemos corpos no chão, esfacelados pela caçadeira à queima-roupa, sangue, gritos, a coragem da filha que se atravessa pela mãe (ex-mulher do assassino), se calhar a pensar que o pai não disparará (disparou), a ex-sogra e a irmã dela ceifadas na mesma tentativa. E depois, claro, queremos proteger as sobreviventes, não lhes vamos pôr a cara e o nome em todas as notícias. Mas podemos ao menos honrar as mortas. Mulheres, e velhas, ainda por cima, sim, não foi nenhuma criança violada e morta a seguir - se fosse teríamos a terra toda de forquilha à procura do Palito para o esventrar no meio na floresta em vez de o esconder e alimentar primeiro e aclamar depois -, assassinadas num país em que assassinar mulheres é à razão de uma por semana. Mulheres como Manuela Costa, 35 anos, morta em 2009 pelo ex-marido, também a tiro de caçadeira (muito gostam eles, corajosos, de execuções à gangster), dentro de uma ambulância à porta da esquadra da GNR de Montemor-o-Velho onde foi pedir ajuda, GNR que agarrou no homicida e o meteu dentro da esquadra sem o algemar, sequer revistar (estou mesmo a vê-los, "Ó pá, desgraçaste-te", mão no ombro, solidários) matando ainda ele aí um agente (depois disso, aposto, já o mandaram ao chão e algemaram, quiçá lhe tenham dado umas lambadas, afinal matou um homem, polícia ainda por cima, caramba). Manuela Costa em cuja morte a GNR nunca fez mea culpa ou o Estado o que lhe competia, indemnizando os dois filhos pela flagrante incapacidade de lhes proteger a mãe. Como podemos então surpreender-nos por haver palmas para Palito, ou que a polícia fracasse mais de 30 dias no seu encalço? (…)»

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