sexta-feira, novembro 07, 2014

Empurrar com a barriga as previsões


Quando o Governo apresentou o Orçamento do Estado para 2015, fez um foguetório com a sua previsão para o défice orçamental: 2,7% do PIB. O pantomineiro-mor apareceu a reclamar que esta será a primeira vez em 15 anos que Portugal terá um défice abaixo dos 3%. O vice-pantomineiro foi, como é seu hábito, ainda mais longe: é a «primeira vez em 40 anos que temos um défice abaixo dos 3%». E a Miss Swaps secundou-os: «será a primeira vez que este será efectivamente cumprido».

O Governo mentiu, porque o Governo de Sócrates já havia atingido um défice abaixo de 3%, certificado pelo Eurostat [cf. aqui e aqui]. E tanto barulho o Governo fez com a sua previsão que até se poderia pensar que se estava perante um dado real e não uma previsão.

Acontece que, entretanto, se vão conhecendo as avaliações do OE-2015 feitas por entidades independentes e todas elas convergem no sentido de considerar o quadro macroeconómico em que assentam as previsões uma fantasia despudorada do Governo. O Conselho Económico e Social, presidido por José Silva Peneda, emitiu um parecer demolidor. O Conselho de Finanças Públicas sublinha, com a delicadeza possível, que «40% da medidas de consolidação orçamental do OE "não estão bem especificadas"». A Comissão Europeia disse com todas as letras que não acredita na obra de ficção da Miss Swaps. E o FMI é ainda mais pessimista do que Bruxelas sobre o défice para 2015.

Temos, assim, que aos 2,7% de défice que o Governo assegura ir cumprir, a Comissão Europeia sustenta que o défice orçamental de 2015 não será inferior a 3,3% e o FMI coloca a fasquia em 3,4%.

Perante este quadro, o foguetório inicial do Governo foi perdendo a chama. Agora, Passos Coelho e a Miss Swaps passam os dias a referir que se trata apenas de previsões. Mas a reacção mais pitoresca veio do vice-pantomineiro. Questionado sobre as avaliações de todas as instituições estrangeiras e nacionais, Paulo Portas, com o descaramento a que nos habituou, pôs o inimitável ar grave e disparou [vídeo]: «Eu trabalho com factos. As previsões são úteis, mas os factos são mais sólidos.» Isto já está ao nível do teatro de revista mais decadente.

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