A falta de motivação dos juízes
“Estou preocupada! Quando relembro o último congresso em Aveiro, em que havia duas salas com apresentação de comunicações em simultâneo não posso deixar de reparar que a participação activa no presente é muito pequena. Demasiado pequena para a época que vivemos. Em Aveiro os juízes não tinham acabado de fazer uma greve. Foi agora, apenas há alguns dias que a fizeram! Ninguém diria! Com excepção para as corajosas e estimulantes palavras que generosamente ontem nos foram oferecidas pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, e não descurando naturalmente da pertinência e valor das anteriores apresentações, NÃO VEJO CHAMA!”
“A verdade é que regressei com uma sensibilidade diferente à prioridade dada a algumas das nossas reivindicações associativas. Não somos nós um país visivelmente menos rico do que a Alemanha, apesar daquilo que por lá se designa de “estado de pobreza” que os atingiu? Pois bem, na Baviera os juízes auferem vencimentos semelhantes aos dos juízes portugueses. Os tribunais mantêm-se em plenas funções durante todo o ano apesar de os juízes terem naturalmente direito a férias e à escolha do período em que as gozam. Mas o que mais me impressionou nos juízes alemães foi a simplicidade (quase «franciscana») dos seus gabinetes onde nem a presença de um computador destoa! Não têm «tribunal XXI»! Mas, em contrapartida, não se queixam de excesso de trabalho. Regressam a horas normais a casa e sentem-se respeitados pela população e governo! Quando lhes perguntava se admitiam fazer greve por falta de condições de trabalho, respondiam: impensável! Desde logo porque o seu estatuto de equiparados a funcionários não lhes confere o direito à greve. Depois, nenhum alemão compreenderia uma tal atitude por parte dos seus juízes e, por fim, porque não sentem falta de condições de trabalho.”
‘A verdade é que no regresso do meu estágio no estrangeiro não pude evitar que me viesse à memória a passagem de Alain Minc, no seu polémico livro “em Nome da Lei”: “onde o Estado é fraco, até mesmo corrupto, a pressão da sociedade conduziu a uma justiça independente mas corporativa, como em Itália; quando a democracia é triunfante e a moral pública sólida, o poder político gera uma magistratura cujos membros ninguém imaginaria que uma vez instalados não fossem independentes.”.’
"Em primeiro lugar, refiro-me à nossa passividade ao longo de anos perante a consciência de – não digo inúmeras, mas em qualquer caso excessivas - práticas não conformes à melhor garantia dos direitos dos cidadãos que proliferam pelos tribunais. Poderia exemplificar com os julgamentos no gabinete, as marcações de variadas diligências para a mesma hora e tantas outras práticas de todos conhecidas. Sempre pelas mais piedosas razões de permitir que o sistema funcione, mas igualmente em não menor erro sobre as nossas responsabilidades: fazer justiça, e não gerir o número de processos pendentes. Poderia também optar por outros temas mais complexos como o referente à construção da nossa jurisprudência já que é de cada vez mais difícil percebê-la no meio de decisões e contra-decisões que se negam a si mesmas!"
“Mas, qual é a surpresa? Não denunciaram já, e de há muito, vários juízes a falta de condições para cumprimento do controlo legal das intercepções telefónicas nos termos indicados pela lei? Porque razão continuam os terminais de intercepção na exclusiva disponibilidade da polícia se para a lei são os juízes os senhores das escutas? Ou será que, como se percebe pelas palavras dos nossos governantes e deputados, afinal para o poder político aquela é matéria das polícias, constituindo a reserva do juiz inscrita na lei apenas pura cosmética? Mas, se assim é, porque razão se admiram do estado policial que criaram e todos querem, apesar de tudo, manter? Nenhum juiz poderá com autoridade responder a esta questão, mas não nos podem negar o direito, eu diria o dever, de exigir de quem sabe a resposta que a revele de forma clara para que todos nós, portugueses, possamos compreender! Uma coisa é certa: não é mexendo, mais uma vez, nos códigos que se resolvem estas questões.”
“Entretanto, é tempo de os juízes de instrução deixarem de pactuar com a inoperância do sistema! No dia em que se libertarem da violentíssima pressão causada pela responsabilidade moral de, com o seu indeferimento, ficar por desvendar aquilo que para os investigadores - com a bênção sempre presente do MP - é mais uma vez o crime do século, nesse dia estou certa que encontrarão na própria polícia de investigação a primeira força de pressão para a alteração da actual situação. Resta saber em que sentido. Ora, sendo também neste campo que se joga a independência dos juízes e, com ela, a garantia dos direitos das pessoas, é também aqui que a associação tem um caminho a percorrer. Não chegam as vozes isoladas de alguns juízes.”
“Como segundo exemplo do meu inconformismo elegi um aspecto da vida dos juízes exterior aos tribunais, mas nem por isso com menores reflexos negativos no prestígio e dignidade de toda a classe profissional. Deixem-me designá-lo como uma moda lamentável: a moda de juízes serem escolhidos (aceitarem ser escolhidos e, em especial, o CSM permitir que sejam escolhidos) para cargos de manifesta confiança política de quem os nomeia (e exonera). (…)
Uma primeira, naturalmente, relacionada com a imparcialidade e independência do juiz e a imagem que desse juiz passa para o exterior e designadamente também para os cidadãos que um dia por ele serão julgados, pelo menos se voltar a julgar em 1ª instância quando cessar a comissão de serviço. Para mim é tão escandaloso que juízes possam encontrar-se em exercício de funções dependentes de confiança política, mesmo (ou especialmente) enquanto superintendem e dirigem serviços de polícia e depois voltarem a julgar matéria crime, que não percebo como pôde uma tal prática até hoje ter merecido de uma associação de juízes apenas o silêncio. Como será possível a opinião pública levar a sério a nossa defesa da independência dos tribunais se depois vê, com frequência, juízes serem nomeados e destituídos de cargos que nada têm de independentes - ainda que seja com o fito de passar uma tal imagem para o exterior que as instituições persistem em cativar juízes para aqueles lugares. Mas, se a minha sensibilidade vos parece excessiva, dêem uma espreitadela nos sites das associações dos juízes suíços ou austríacos e ficarão surpreendidos com o espaço ali reservado ao tema da imparcialidade do juiz. Não reside nela a essência da Justiça?”
Caro "Miguel":
ResponderEliminarPode corrigir, no próprio post, o seu "lapso", em:
http://corporacoes.blogspot.com/2005/11/professores-em-luta-1.html
Obrigado...
Caro Fernando Martins (por exemplo, no Sáb Nov 26, pelas 12:49:16 AM):
ResponderEliminarPrometeu não mais voltar a ler o CC, quanto mais escrever… Mas ainda bem que caiu em si, embora lamente que tenha deixado de assinar os comentários que produz. Tal omissão pode deixar confundidos todos aqueles - e são muitos - que aguardam ansiosamente que lhes ilumine o caminho.
Quanto à sua mais recente "microcausa2 lançada nas caixas de comentários do CC, segui a pista que deixou, mas não encontrei nenhum lapso – com ou sem aspas.
Quer fazer o favor de nos elucidar, para que eu possa corrigir o erro em causa? Ou será que o erro está apenas na sua cabeça?
Boa noite
Miguel Abrantes
Caro "Miguel Abrantes":
ResponderEliminarComo é que adivinhou que eu era o "Fernando Martins", coisa que eu próprio não sei, visto ter outro nome...?
Ora ainda bem que pergunta, nesse post "É injusto que se procure aprovar um regime que defina incompatibilidades e impedimentos a observar pelos docentes quanto ao exercício de outras funções?" visto ele existir - inclusive alguém o citou, ipsis verbis, nos comentários...
Portanto, pede-se o favor de corrigir o Post, em adenda ao mesmo, para não se pensar que os "madraços" dos professores acumulam tudo o que lhes apetece e que não há regras - há-as, aprovadas por este Governo, mais restritivas das que anteriormente existiam...
Mas, se acha que a Lei existe não é boa, sugira coisas...
Vê, ainda bem que estávamos os dois a trabalhar a estas tristes horas (eu, "Fernando Martins" II e o "Miguel Abrantes") para tirar essa dúvida... E, já agora, poderia pôr a opção horas nos seus Posts - só o dia é pouco para nos situarmos...
ResponderEliminarLido o discurso da senhora Juíza , saliento o que refere aos tribunais alemães, lembrando a questão palaçiana de haver perigo nos cabos (de aço) dos elevadores do Palacio de Justiça.
ResponderEliminarOs Juizes Alemães levam uma vida Franciscana, escreve a senhora Juiza.
Mas nos somos um País rico,ou, temos a mania que somos
Caro Fernando Martins:
ResponderEliminar1. Já leu a intervenção de Fátima Mata-Mouros? Não quer exprimir a sua opinião?
2. Bastaria ter o diploma do 1.º ciclo para entender o post em causa, não sendo sequer necessário ser licenciado em calhaus. Até V. foi capaz de perceber o que estava escrito, ao dizer que este governo alterou o regime sobre impedimentos e incompatibilidades. Terá que inventar microcausas mais substanciosas. Esta parece uma coisa sem nexo. Mas esteja à vontade.
3. Quanto ao seu segundo pedido (“E, já agora, poderia pôr a opção horas nos seus Posts - só o dia é pouco para nos situarmos...”), confesso que me deixou apreensivo. A continuar assim, não tarda quer saber a que horas faço chichi. Não lhe parece um exagero, susceptível de gerar más interpretações?
Aí por casa podem entretê-lo por umas horas enquanto eu vou dormir? Não demoro muito, prometo.
Miguel Abrantes
Grande porradona no sindicato ! A senhora merece que lhe tire o meu chapéu
ResponderEliminarCaro "Miguel Abrantes":
ResponderEliminarVocê deve gostar muito do Fernando Martins - porque não escreve uma carta a exprimir o seu afecto e...
Reafirmo que não sou o citado Fernando Martins, nem sei quem é (e, aliás, o "Miguel" deve ter meios para o saber...).
1. Li o texto integral da Mata-Mouros e gostei, aliás lido na íntegra é ainda melhor (há lá uns pormenorezitos que também ficavam bem aqui). Mas não percebo muito de Juízes nem de Tribunais (o único local de Julgamentos em que entrei até hoje foi este fórum).
2. Não sou licenciado em calhaus (o Miguel é...?) mas percebo perfeitamente que tenha sido induzido em erro quando lhe "sopraram" esta ideia...
"Até V. foi capaz de perceber o que estava escrito, ao dizer que este governo alterou o regime sobre impedimentos e incompatibilidades" Ai é isso que o Miguel diz quando refere "É injusto que se procure aprovar um regime que defina incompatibilidades e impedimentos a observar pelos docentes quanto ao exercício de outras funções?" Não queria dizer antes "É injusto que TENHA APROVADO..." Deve pensar que somos todos parvos quando não percebe a diferença...
3."Quanto ao seu segundo pedido (“E, já agora, poderia pôr a opção horas nos seus Posts - só o dia é pouco para nos situarmos...”), confesso que me deixou apreensivo. A continuar assim, não tarda quer saber a que horas faço chichi. Não lhe parece um exagero, susceptível de gerar más interpretações?"
O Miguel critica os horários de diversas classes que trabalham a horas estranhas e não quer dizer a que horas trabalha...? Olhe que no meu trabalho podemos (ainda) ir à casa de banho à hora que quisermos - esteja à vontade...
É curioso que queira preservar a sua privacidade tão entusiasticamente mas não se coíba de não o fazer àqueles que quer atacar...
Espero que tenha dormido bem e tenha um fim-de-semana com muito trabalho, como eu vou ter a corrigir testes e a lê-lo (CC) para descontrair nos intervalos do trabalho...
Ja agora tambem quero desejar um bom fim de semana ao Miguel, ja que tenho de ir fazer umas grandes de ferro de proteção a umas janelas.
ResponderEliminarÉ a vida de serralheiro.
Isto sem trabalho não vai lá.
Quem me dera ser doutor
Caro Miguel Abrantes,
ResponderEliminarAgradeço os esclarecimentos que o seu blog traz a muitos portugueses que achavam que o "estado a que chegamos" era por obra e graça do Espírito Santo.
Os seus posts elucidam-nos acerca das poderosas corporações de sanguessugas que se sentam à mesa do Orçamento do Estado e tratam de sacar o mais possível em géneros e em cash.
Essas corporações, (a mais responsável e a que mais saca é a dos políticos), são produto da incapacidade do cidadão comum perceber o que é que verdadeiramente se passa para termos chegado ao estado a que o Estado chegou!
E como não percebe continua a votar alegremente nos mesmos inúteis de sempre. Não usa o voto para punir, mas sim para premiar os grandes responsáveis pelo atraso deste país.
A justiça ajuda ao pálio porque não desempenha o seu papel ou seja, punindo alguns gatunos de colarinho branco que vão sugando recursos do país que tanta falta fazem àqueles que o Estado, por uma questão de princípio básico, devia proteger, os mais fracos.
Ou seja: Os idosos (é revoltante a miséria e abandono em que imensos vivem), as crianças ( a Casa do Gaiato em graves dificuldades financeiras, A Casa do Padre Grilo com as crianças a viverem em pobreza limpa, Casa Pia ... é o que se vê), os deficientes ( só há uma palavra para descrever: MALTRATADOS), etc.
O seu blog elucida e informa com honestidade.
As duas excelentes intervenções dos juízes que li, não dizem mais nem menos daquilo que o Miguel Abrantes tem denunciado.
O que indica que a saída da crise tem de passar por magistrados deste quilate e não por élites arrogantes e reumáticas.
Continue pois há muita gente que não "posta" mas que agradece.
um discurso que não deixa dúvidas de que o sindicato dos juizes está apenas preocupado com a barriga e não cuida de de dignificar a classe que representa.
ResponderEliminarCaríssimo Miguel,
ResponderEliminarUma dúvida assalta-me o espírito: já que fala tanto da falta de produtividade de certas corporações, como é que concilia o tempo que gasta na investigação, redacção e réplicas nesses temas com uma produtividade séria nas funções laborais que certamente exerce algures no País?
fatima apresentou um programa alternativo para o sindicato dos juizes.
ResponderEliminarGrande mulher, grande juíz: diz em poucas linas as verdades que o Cluny e Coelho escondem. E Parabéns, também ao Miguel Abdrantes: esta de os juízes quererem fazer greve e não descontar no ordenado é uma luta tua. O Público vem com 3 semanas de atraso, pelo menos. Continua. Tens aqyui muitos outros títulos para o Público.
ResponderEliminarQue extraordinário ATESTADO DE INCOMPETÊNCIA passado aos Sindicatos da Justiça. Que pedrada dada no António Cluny e no Baptista Coelho.
ResponderEliminarVergonha Vergonha: 30 % desta corporação queria ficar com o dnheiro dos dias de greve. E os outos 70 % declararam apenas pelo medo luta do Abrantes hoje revelado ao "PUBLICO".
ResponderEliminarJuízes e procuradores não estão obrigados a informar tribunais e podem receber vencimento integral
ResponderEliminarMais de 30 por cento dos magistrados não comunicaram adesão à greve
Foram menos de 60 por cento os magistrados judiciais e do Ministério Público a exercerem funções na 1.ª instância que já comunicaram às suas hierarquias a adesão à greve de Outubro, pelo menos através dos canais que eram tidos como os adequados. Os que o não fizeram poderão assim receber o vencimento daquele mês na totalidade, embora tivessem adiado as diligências judiciais.(today in Publico online)
Afinal ainda há juizes com a noção do que é uma função de soberania.
ResponderEliminarE os outros só descontaram os dias de greve porque o Abrantes lhes descobriu a careca.
ResponderEliminarVejam lá se na outra greve, no tempo do cavaco, eles descontaram.
Temos direito a essa prova dos nove.
E aquele senhor de aspecto mumificado e voz de cana rachada estava a falar dos nossos direitos ou dos deles????? Aquilo era um órgão de soberania??????
ResponderEliminarDiscurso de Sua Excelência, o Presidente da República:
ResponderEliminar"Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça,
Senhor Procurador-Geral da República,
Senhor Presidente da Associação Sindical dos Magistrados Judiciais,
Senhores Juízes,
Minha senhoras e meus senhores,
Antes de mais, uma palavra de saudação a V. Exªs., Senhores Juízes - quando se inicia o VI Congresso da Vossa Associação Sindical, em que o tema de reflexão e debate é a Justiça como garantia do Estado de Direito. Na sua construção e desenvolvimento, têm tido V. Exªs. papel essencial, pelo que na saudação que Vos dirijo vai também o apreço da República pela função que tem desempenhado na consolidação da democracia, de que o Estado de Direito é pilar essencial.
Senhores Juízes,
Minha senhoras e meus senhores,
No curso aos meus dois mandatos, dei especial e aprofundada atenção às questões da Justiça, suas disfunções e necessidade de reformas para as resolver.
Devo reconhecer que muitas das disfunções persistem e, em larga medida, só começarão a ser resolvidas, como tenho reiteradamente sublinhado, quando se encarar e puser em prática um novo modelo de formação dos profissionais do foro e seu estatuto profissional, pari passu com o reordenamento do território judiciário, a reformulação das competências dos tribunais superiores e a simplificação das regras de processo.
Tudo isto para que possa instituir-se, finalmente, uma justiça célere e equitativa, que não só permita torná-la eficaz, como reconstitua a confiança dos cidadãos nas suas instituições judiciárias.
Essa confiança está abalada. E está abalada, em larga medida, pela conjugação entre uma Justiça lenta e opaca ‘ por ser essa a consequência natural das reformas que se não fazem -, com alguns desempenhos individuais, que, não constituindo a regra – é justo reconhece-lo -, foram estando, com desusada frequência, na primeira linha da mediatização, portanto, na primeira linha da censura social.
Ora se a omissão das reformas necessárias constitui inequívoca responsabilidade do poder político, em prejuízo de todos nós, cidadãos, já os desempenhos devem merecer a serena reflexão de V. Exªs.
Tal reflexão, em terreno aberto como é o deste Congresso, em nada perturbará a independência e a imparcialidade dos juízes, se, finalmente, tivermos por adquirido que o respeito pelas decisões judiciais se esgota com o seu escrupuloso e pontual cumprimento; e que é da confrontação de opiniões sobre os fundamentos e o conteúdo de uma decisão judicial que ela poderá vir a revelar-se, à generalidade dos cidadãos, de forma inteligível e transparente.
Senhores Juízes,
Minhas senhoras e meus senhores,
Tenho exaustiva consciência das condições precárias em que é exercida a magistratura judicial, com assoberbamento por funções meramente burocráticas, sem secretariado pessoal que liberte os magistrados para a função de ordenar, decidir e julgar o processo, e, em tantos tribunais, com condições logísticas de vão-de-escada.
Como sei que a falta de contingentação de processos desorganiza qualquer agenciamento de actos ou ordenação de tarefas; e que a qualidade e simplificação das sentenças esbarra com um sistema de inspecções, dirigido, com frequência, mais para a erudição jurídica do magistrado do que para o senso e o bem fundado da marcha do processo e sua decisão.
Como não ignoro que, sobretudo na 1ª instância, as condições de exercício da magistratura judicial exigem uma dedicação a tempo inteiro, em que os Senhores Juízes, sem qualquer preocupação de horário, incluindo parte ou a totalidade do fim de semana, não têm regateado, à comunidade, no seu desempenho diário, dedicação, zelo profissional e muito sacrifício, atitude que sendo própria de titulares de órgãos de soberania, se impõe, todavia, reconhecer, pela exemplar medida com que se verifica.
O Presidente da República é, por isso, o primeiro a compreender a mágoa de V. Exªs. com o ângulo de abordagem das relações entre as férias judiciais, a segurança social e a produtividade dos juízes, quando ninguém que conheça a vida forense ignora que apreciável segmento das ferias judiciais constitui, na l instancia, e sem esquecer os turnos, um tempo de recuperação de despachos de maior complexidade ou de decisões de maior fôlego, atrasos as mais das vezes causados pelas disfunções de um sistema por cujo figurino os juízes não são responsáveis.
Como compreende que a opção por uma crescente uniformização dos regimes de segurança social não exige, na sua fundamentação, que seja qualificado como injustificado privilégio um regime que tinha fundadas razoes para ser instituído e mantido, enquanto foi financeiramente viável conferir um tratamento especifico a quem muito dá à comunidade.
Mas porque sei tudo isto, e disso dou publico testemunho, não apenas enquanto advogado e cidadão, mas também em nome da República a que presido, estou em posição, exactamente porque enquanto Presidente da República tenho a responsabilidade de promover e garantir o regular funcionamento das instituições, de apelar à serena reflexão de V. Exªs.
Serena reflexão sobre as reais condições de independência do poder judicial e sobre as efectivas relações entre essa independência e o estatuto profissional dos magistrados judiciais, sem se resvalar para a transformação da divergência de entendimento sobre o que deve ser aquele estatuto em suposto projecto de domínio ou de control de uns poderes pêlos outros.
Esse processo de intenções se ofende inutilmente os seus supostos autores, mais os ofende ainda mais os magistrados judiciais, cuja independência e imparcialidade estariam, então, a mercê da maior ou menor diferença, ainda que justificada, entre o seu regime de trabalho ou de segurança social e o da generalidade dos cidadãos - o que é inaceitável e não corresponde à realidade.
Serena reflexão, também, sobre a medida em que os magistrados judiciais poderão contribuir para um maior respeito pêlos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente reconhecidos, seja quando está em causa a prisão preventiva de um arguido, seja quando protegem a sua reputação com uma tutela rigorosa do segredo de justiça; seja ainda quando se trate de fiscalizar, pessoalmente, a licitude das reservas da vida privada, como é o caso das escutas, ou de não dar aos poderosos, por maior –que sejam os aplausos e a devoção popular que granjeiam, tratamento diverso do que é conferido à generalidade dos cidadãos.
Serena reflexão, ainda, sobre a necessidade de serem instituídas vias habituais de relação entre os tribunais e a comunidade, para que o diálogo sobre os processos que, inelutávelmente, se tornaram tema de informação escrita e audiovisual, se não limite às iniciativas avulsas dos órgãos de informação, ou à troca de opiniões, entre profissionais do foro com alguma notoriedade.
A recuperação da confiança dos cidadãos no funcionamento das suas instituições judiciárias só poderá ser acelerada se a marcha e a decisão dos processos que chegam a opinião pública contar com um esclarecimento dos seus responsáveis.
Tenho afirmado, reiteradamente, que as relações entre os tribunais e a comunicação social são indispensáveis. E se um tratamento sério da informação forense passa por uma formação jurídica e judiciária dos jornalistas por ela responsáveis, impõe-se que os magistrados judiciais, por sua vez, estejam atentos as técnicas e às boas práticas da comunicação social e com elas se familiarizem, para que a vida dos tribunais seja inteligível pelo comum e as sentenças deixem de ser entendidas e cumpridas como oráculos.
Serena reflexão, finalmente, sobre o restabelecimento do diálogo entre todos os responsáveis pelo funcionamento da Justiça, e sobre as condições de promoção de um consenso de longo prazo quanto ao seu figurino global. As reformas não podem esperar, e, sem consenso, ficarão sempre aquém, pelo menos da sua boa execução
Senhores Juízes,
O estado da Justiça não deixa espaço para nos perdermos na crispação da conjuntura, com o cortejo de mútuos remoques e recriminações que servem apenas para adensar inúteis desencontros.
Há um tempo para a mágoa e um tempo para ir além da dor, como diria Pessoa,
Saibam, V. Exªs. fazer da mágoa reflexão e projecto, que respondendo às Vossas legítimas aspirações, contribuam para a edificação da Justiça e por via dela, do Estado de Direito.
Muito obrigado."
Será que foi ele que escrevia o discurso????? Todo ele tremia.
ResponderEliminarQuantas casas de função é que estão vazias porque os senhores preferem o subsídio para a aquisição de casa própria?
ResponderEliminarSó agora é que acordaram para o estado da justiça. Tudo esmiuçado o estado da justiça resume-se às mordomias deles.O resto... é o que se vê.
ResponderEliminarPassagens do discurso de Sua Excelência, o Presidente da República:
ResponderEliminar"Minhas senhoras e meus senhores,
Tenho exaustiva consciência das condições precárias em que é exercida a magistratura judicial, com assoberbamento por funções meramente burocráticas, sem secretariado pessoal que liberte os magistrados para a função de ordenar, decidir e julgar o processo, e, em tantos tribunais, com condições logísticas de vão-de-escada.
Como sei que a falta de contingentação de processos desorganiza qualquer agenciamento de actos ou ordenação de tarefas; e que a qualidade e simplificação das sentenças esbarra com um sistema de inspecções, dirigido, com frequência, mais para a erudição jurídica do magistrado do que para o senso e o bem fundado da marcha do processo e sua decisão.
Como não ignoro que, sobretudo na 1ª instância, as condições de exercício da magistratura judicial exigem uma dedicação a tempo inteiro, em que os Senhores Juízes, sem qualquer preocupação de horário, incluindo parte ou a totalidade do fim de semana, não têm regateado, à comunidade, no seu desempenho diário, dedicação, zelo profissional e muito sacrifício, atitude que sendo própria de titulares de órgãos de soberania, se impõe, todavia, reconhecer, pela exemplar medida com que se verifica."
A vergonha das escutas telefónicas e da violação do segredo de justiça dá-nos a dimensão do polvo em que se tornou certa função - e ninguém os controla. Ameaçam tudo e todos. Não têm qualquer respeito nem na linguagem, nem no abuso de poder.
ResponderEliminarGrande intervenção, a minha vénia! Fico também contente de ver este post que, sinceramente, espero sirva para mudar o extremismo de posts anteriores que mais parecem a tradução de uma guerra contra juízes que uma luta por uma melhor justiça e contra privilégios corporativos inconcebíveis e de outros tempos.
ResponderEliminarComo disse em anteriores comentários - e não descobri a pólvora - em todas as classes haverá maus, medianos, mas também bons e excelentes. E aqui está, também há juízes que não se revêem em quem os representa, preocupando-se com o estado a que a situação chegou. E então, cuidado e em vez de "os" são "alguns" os juízes e magistrados mercenários e sem qualificações para o cargo que exercem. São estes e o sistema que permite que exista aquela casta de juízes que julgam ter "pedigree" que devem ser combatidos para o bem de todos nós. Os meus parabéns ao Miguel Abrantes pelo post também.
Se os bons magistrados não correrem com a escória, acabarão sempre no mesmo balde.
ResponderEliminarConvém não confundir os juizes com os da procuradoria.
ResponderEliminarParabéns Mata MOUROS, parabéns Matadouro Abrantes. Andaste a falar com o PÙBLICO, meu malandreco.
ResponderEliminarDEMISSÂO dos CLUNY e COELHO, sem vergonha. Pelo não desconto dos ordenados nos dias de greve -, pelo beco para que os sindicatos levaram a corporação. Valha a lucidez de F. Mata-Mouros.
ResponderEliminar200 € por dia X 2 dias de greve X 900 juízes = 360.000 €, ou seja, 72 mil contos que foram embolsados nos dias de greve. É obra. Esta é a parte de que o PÚBLICO não fala.
ResponderEliminarSempre aparece de vez em quando, um Português ou Portuguêsa, com a fibra de um Viriato, que proclamam a nossa Lusitanidade
ResponderEliminarÁ senhora Juíza Maria de Fatima e ao advogado Marinho Pinto a minha reverencia de cidadão.
O que um cidadão reclama, é uma justiça celere e justa