domingo, setembro 10, 2006

As corporações não têm capacidade crítica [1]




Apenas dois juristas de reconhecido mérito passaram, até hoje, no crivo do Conselho Superior da Magistratura. No entanto as queixas relativamente ao acesso ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ) não decorrem apenas dos obstáculos criados aos juristas de reconhecido mérito.

Ainda há dias, por exemplo, o juiz desembargador António Santos Carvalho escrevia, no Público, que “os (…) juízes deste tribunal [STJ] têm vindo a ser escolhidos ao contrário da lei, da publicidade e racionalidade dos concursos públicos ”, concluindo que [a] crise, que é grave, radica neste tipo de batotas”.

Também da parte do Ministério Público as queixas sobre o “sistema viciado” de acesso ao STJ são mais que muitas. Alberto Pinto Nogueira, procurador-geral distrital do Porto, por exemplo, dizia numa entrevista ao Público: “Decidi, em Abril de 2004, não mais me candidatar ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ) com aquelas regras. Estas, quando são verdadeiramente regras, permitem a sindicância, ajuizar se são bem ou mal cumpridas, o que me parece não suceder no procedimento de avaliação e graduação para o STJ.

O pacto para a reforma da justiça procura corrigir a situação. Relativamente ao acesso de juristas de reconhecido mérito ao STJ, embora mantendo a percentagem de juristas não pertencentes à magistratura que podem preencher as vagas existentes [uma em cada cinco vagas, de acordo com o art. 52.º, n.º 2, do Estatuto dos Magistrados Judiciais], o pacto prevê que tais vagas, se não forem preenchidas, não possam ser desviadas para magistrados, como vem acontecendo até agora.

Portanto, as quotas já existem na lei actual. Trata-se agora de impedir que o “sistema viciado” possa continuar a atropelar a lei.

Por causa das quotas, o Juiz Paulo Ramos de Faria, em regra com posições ponderadas, tem um desabafo que faz crer que, até agora, andou a vaguear pela estratosfera. Quando é no próprio seio da magistratura que se se sustenta que há “batotas” no acesso ao STJ, o animador do Dizpositivo sustenta candidamente que bastaria intervir nos “critérios a preencher” e no “processo de selecção”.

E os críticos da existência de uma quota para os juristas de reconhecido mérito [uma em cada cinco vagas é preenchida por juristas de reconhecido mérito] nem sequer se apercebem que recorrem a uma argumentação algo vesga: é que existem também quotas para os magistrados judiciais [três em cada cinco vagas são preenchidas por juízes da relação] e para os magistrados do Ministério Público [uma em cada cinco vagas é preenchida por procuradores-gerais-adjuntos] — quotas essas que não podem ser preenchidas por juristas de reconhecido mérito. Sem que contra isso os críticos da existência de uma quota para os juristas de reconhecido mérito levantem um dedo sequer.

2 comentários :

  1. julgo que a existência de quotas para os magistrados é reconhecida por PRF (“Não é certo que, sem uma "reserva de vagas" de preenchimento obrigatório, os desembargadores também não conseguissem aceder ao Supremo. Talvez, embora não me pareça”)
    atendendo aos critérios de acesso de desembargadores ao supremo, o preenchimento das vagas de magistrados está, pela natureza do concurso, assegurado
    só se os critérios fossem iguais ara todos é que se poderia colocar a questão da concorrência entre juristas (magistrados e outros) e da eventual incapacidade de os desembargadores preencherem a sua quota (ultrapassados, por exemplo, pelos PGA)
    mas, enquanto os juristas de mérito não preencherem a sua própria quota, não se coloca a questão por si colocada
    da crítica da existência de uma quota não se pode retirar que se defende as restantes.
    quem lhe garante que este e outros magistrados estão de acordo com a existência de qualquer quota?

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  2. OPORTUNIDADE PERDIDA
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    O pacto constituiu mais uma vitória da partidocracia sobre a democracia: a corporação dos políticos, em vez de produzir actividade legislativa parlamentar com toda a transparência, segundo as regras que o próprio Parlamento aprovou, optou pela opacidade de um acordo elaborado em segredo, por meia dúzia de pessoas.
    A celebração do acordo não seria grave, per se, se as partes outorgantes não tivessem já anunciado que a (necessária) discussão dos termos do acordo em sede parlamentar apenas visa a recolha de apoios e não a sua eventual correcção para encontrar soluções porventura mais eficientes.
    Trata-se de uma manifestação de arrogância partidária no seu melhor, que menospreza, porque vincula, o próprio órgão de soberania com função legislativa. O Parlamento aparece reduzido a mera correia de transmissão e caixa de ressonância de algumas cúpulas partidárias. Acentua-se, ainda mais, a vertente partidocrática do regime.
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    Nos próximos dias - no caso de surgir tempo disponível para o efeito - alguns aspectos do «Pacto» serão analisados no Blog de Informação, adiantando-se, desde já, algumas observações:
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    a) a revisão do Código Penal corre o risco de - contrariamente ao desejado - aumentar a criminalidade;
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    b) a revisão do Código de Processo Penal revela claras insuficiências, não tendo sido devidamente aproveitadas as propostas do projecto «Tribunal XXI» que teriam como consequência um aumento significativo da eficiência da administração da justiça, acompanhado de um aumento também significativo das garantias judiciárias;
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    c) a mediação penal a nível nacional é inexequível a curto e médio prazo;
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    d) quanto à acção executiva, o aspecto positivo a salientar, com implicações a curto prazo, é... o «regresso ao passado» para os exequentes que sejam pessoas singulares, passando estas a poder recorrer aos oficiais de justiça para assegurar as funções de agente de execução;
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    e) no tocante à reforma dos recursos cíveis, a solução encontrada continua a não combater a litigância temerária;
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    f) quanto à revisão do mapa judiciário, apenas se destacam, como novidades, uma maior flexibilidade na gestão dos meios humanos e materiais, com menores custos financeiros, a extinção do Tribunal da Relação de Guimarães e a criação do Tribunal da Relação de Faro (será, mais uma vez, só no papel?...), nada sendo esclarecido quanto a aspectos essenciais e concretos da nova organização judiciária, que permitam aferir a sua adequação à realidade e, consequentemente, a sua eficácia;
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    g) relativamente ao regime de acesso à Magistratura, saúda-se a abolição do período de dois anos que actualmente se interpõe entre a conclusão da licenciatura e a entrada no CEJ e a filosofia de maior formação específica para a judicatura;
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    h) no tocante ao Estatuto dos Magistrados Judiciais, apenas se constata o seguinte:
    1) não foi introduzido o modelo de carreira plana que ainda há poucos dias foi anunciado pelo Ministro da Justiça;
    2) optou-se, sem qualquer fundamento, por excluir o C.S.M. do recrutamento dos magistrados judiciais do STJ e das Relações;
    3) não se percebe, ainda, a inclusão de um Professor Catedrático no júri que apreciará publicamente os candidatos às Relações, uma vez que não está prevista a entrada de "juristas de mérito", além dos juízes, nos Tribunais de segunda instância;
    4) não foram clarificados os critérios de aferição dos currículos dos candidatos aos tribunais superiores;
    5) dominam preocupações de ordem financeira nas alterações propostas para os estatutos da aposentação e jubilação (que nada têm a ver com «a reforma da justiça»;
    6) diminuem os direitos dos Magistrados, sendo mantidas as suas obrigações que, nalguns casos, apenas faziam sentido há mais de cem anos e outras... há cerca de meio século.
    Continua a desprezar-se a formação contínua ou permanente dos Magistrados, não sendo a mesma contemplada no acordo político-partidário.
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    i) saúda-se a consagração do regime de autonomia administrativa e financeira para o Conselho Superior da Magistratura.Lamenta-se que (todos) os Tribunais não beneficiem também de idênticas autonomias, tão necessárias à eficiência da sua gestão.
    Finalmente, constata-se que o acordo é praticamente omisso em relação à organização do Ministério Público e à advocacia, áreas que também estão carecidas de intervenção legislativa.
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    Em conclusão: trata-se de um Pacto criticável quanto à forma assumida na sua divulgação - por menosprezar, ostensivamente, a função legislativa do Parlamento - e insuficiente, em termos substanciais, por ignorar algumas soluções modernas, há muito preconizadas pelos profissionais do foro, que apresentam a tão desejada e necessária potencialidade reformista e que permitiriam um aumento significativo da eficiência da administração da justiça portuguesa, com um reforço das garantias judiciárias do cidadão.
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    Dr. Jorge Langweg, in Blog de Informação

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