segunda-feira, abril 22, 2013

Vender gato por lebre para cobrir a austeridade alheia


• João Galamba, A Finlândia não é a Finlândia
    ‘O primeiro-ministro da Finlândia, Jyrki Katainen, veio a Portugal dizer que, no início dos anos 90, o seu país teve uma crise semelhante à portuguesa e resolveu o problema com austeridade e reformas estruturais.

    Kaitanen pode acreditar no sucesso do ajustamento português, só não pode fundamentar o seu optimismo na experiência do seu próprio país.

    O que permitiu à Finlândia iniciar a recuperação económica não foi uma injecção de confiança decorrente de uma redução drástica do défice orçamental, como afirmou Katainen, mas sim uma alteração radical da política monetária e cambial. Desde o final dos anos 80 até Novembro de 1991, as taxas de juro dispararam porque o banco central insistia em defender a paridade da marka através de uma política monetária contracionista.

    A defesa da paridade cambial, que agravava a já gravíssima crise bancária e ameaçava lançar o país numa depressão, revelou-se insustentável e foi abandonada. Entre 1991 e 1992, a marka desvalorizou cerca de 30%. Ao contrário do que sugere a ortodoxia económica, os juros cairam a pique e a inflação não disparou. Isto beneficiou as exportações, que, em 1991 cariam 7% e, em 1992 cresceram 10%, ritmo que se manteve até ao final da década; e contribuiu para travar a queda da procura interna. Como é evidente, a desvalorização não explica tudo. Um ambiente internacional favorável às suas exportações, uma longa tradição de investimento público em educação e em I&D e de política industrial, uma empresa da importância e dimensão da Nokia - tudo isto ajudou. Mas nada teria sido possível sem a mudança na política monetária e cambial.

    O que seguramente não contribuiu para a recuperação económica foi a redução do défice orçamental, que, entre 1991-95, se manteve sempre em torno dos 6%, só começando a cair quando, em 1994, a economia cresceu 3,7%.

    A redução do défice foi uma consequência, nunca uma causa do crescimento. Também: entre 1991-95, a despesa pública subiu sempre, quer em valor, quer em % do PIB (57,1%-61,5%). Houve alguns cortes seletivos, mas nada remotamente comparável com o que já se fez e se anuncia para Portugal. E não foram as reformas estruturais que permitiram a recuperação. Entre 1991 e 95, o governo de centro-direita tentou reduzir o papel dos sindicatos no processo de formação dos salários para "aumentar a competitividade" e reduzir a "rigidez do mercado de trabalho", mas a reforma foi rejeitada pelos sindicatos e o governo recuou. Isto não impediu a moderação salarial, mas evitou o seu corte.

    A Finlândia saiu da crise mantendo o essencial do seu modelo social. O euro, na sua actual configuração, não torna o ajustamento português mais difícil, torna-o impossível.’

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