E, no entanto, os Mirós continuam a monte

José Sócrates na RTP em 9.2.2014
Partilhado por Manuel Cintra

A avaliar pelo título e pelo conteúdo do post que hoje escreve, Ricardo Costa discorda que, no espaço de opinião na RTP, José Sócrates possa esclarecer as questões em que pretendam envolver os governos que chefiou. Num mundo de paz e concórdia idealizado por Ricardo Costa, as coisas aconteceriam assim: mão laranja, quando achasse conveniente, recorreria ao Expresso para fazer uma manobra de diversão e, no dia a seguir, o último primeiro-ministro que o país teve deveria ocupar o tempo a discorrer sobre o efeito dos raios gama no comportamento das margaridas. Felizmente, Sócrates não se vê como um entertainer dos serões de domingo.

Acresce que Sócrates, tanto quanto me apercebi, não mencionou sequer o Expresso quando aludiu ao “passa-culpas” do Governo. Dirigiu-se directamente à mão laranja — e não ao intermediário. Ricardo Costa, ao pretender desmentir o desmentido, coloca-se numa situação ingrata, como se estivesse a vestir a pele de Marco António Costa (que, note-se, não teve argumentos para se alçar ao palanque).

Que diz Ricardo Costa hoje? Isto:

«O que disse Sócrates no Domingo? Primeiro, que "é falso" que o seu governo tenha dado início ao processo de venda, segundo, que "o governo nunca deu carta branca" à administração do BPN nacionalizado para executar essa venda. Acontece que o Expresso não disse nada disso. Disse - e fundamentou com documentos - que o processo de venda, de consulta a leiloeiros, de avaliação das obras e de marcação do leilão foi iniciada no Governo anterior. Facto que não tem nada de estranho, como aliás explicou Teixeira dos Santos¹ ao Expresso, porque a administração do banco (ou do buraco) nacionalizado tinha como missão vender ativos que ajudassem a diminuir a fatura dos contribuintes.»

Então o Expresso não disse que o “governo [de Sócrates] tenha dado início ao processo de venda”? Fez só esta habilidade em manchete: “Processo de venda dos Mirós começou no Governo PS”. E a “notícia” na página 12 apresentava este título: “Venda foi negociada no tempo do PS”.

Então o Expresso não disse que o Governo de Sócrates “deu carta branca” à administração do BPN [da Parvalorem?]? É esse o subtítulo da notícia na página 12: “Teixeira dos Santos deu carta branca”.

A verdade é que Ricardo Costa não desmente Sócrates. Está apenas a pretender desmentir o que consta do Relatório e Contas do exercício de 2012 da Parvalorem, já então presidida por um amigo de Passos Coelho:

“O processo de inventariação e determinação de propriedade e localização das Obras, revelou-se bastante complicado pela sua dispersão física e documental, pelo que só no final do ano 2012, foi possível apresentar um Plano de Atuação relativo ao portfólio (...). Relativamente à coleção Miró, a tomada de posse efetiva da totalidade do portfólio ocorreu apenas no passado mês de Dezembro, pelo que se prevê a curto prazo o início do processo de alienação”.

Sócrates recorreu a documentos que comprovam que não se poderia sequer negociar obras cuja “inventariação e determinação de propriedade e localização” estavam por fazer. Ricardo Costa acusa-o por isso de ter uma “narrativa”. E qual é a do jornalista, que se deveria ater aos factos?

_______
¹ Ouça-se aqui o que Teixeira dos Santos disse sobre o assunto.