domingo, setembro 18, 2005

Sugestão de leitura

Na sua coluna no Expresso (link não disponível), o advogado António Marinho discorre sobre os privilégios dos magistrados. Põe em relevo algumas situações absurdas que temos procurado também descrever no CC. O título do artigo é Privilégios (I), o que parece sugerir que, para a semana, continua.

6 comentários :

Pedro Mineiro disse...

"O título do artigo é Privilégios (I), o que parece sugerir que, para a semana, continua".
Brilhante conclusão, digna de um «berloque» HOLMES"!!!

Anónimo disse...

PrivilégiosII

Os sr.s magistrados no decurso dos julgamentos ou de tribunal para tribunal deslocam-se de taxi ou de carros do estado com direito a motorista... imagine-se quem paga...
Como dizem os ianques: show me the money!

Pedro Mineiro disse...

Olhe que não anónimo, está enganado.
Diga lá onde estão os carros do Estado! Quanto são? Onde estão estacionados?
Dê-se lá ao trabalho de ir a um tribunal e pergunte pelos carros e pelos motoristas. Depois conversamos...

moicano disse...

Desconhecimento total do anónimo. De tribunal para tribunal ou para os julgamentos no local,os juízes, funcionários ou vão de taxi - julgamento no local -, ou em carro próprio com direito ao que qualquer cidadão tem direito em regra de custas judiciais.E quantas vezes não são os advogados a oferecerem aos juízes ou colegas advogados boleia para o local. Mas um vendedor de piaçabas não terá direito às despesas de transporte além do salário e das comissões? Este blogue irá ter pouca duração acabando minado pelo seu ódio. É que está para nascer o que não tem pecados, Dr. Marinho incluído.

Anónimo disse...

"O princípio da democracia corrom­pe-se, não só quando se perde o espírito de igual­dade, mas ainda quando se adop­ta o es­pí­rito de igualdade ex­trema."

Pois é, meus caros, atentem bem neste artigo de Paulo Rangel, bem escrito, equilibrado, sem demagogia.

Contra a "greve" dos juízes
Paulo Rangel



1.Sou um impenitente crítico da política de justiça do Governo Sócrates, se é que se pode falar, enquanto tal, de uma "política de justiça". Na verdade, até agora, as medidas mais emblemáticas são um puro prolongamento da po­lí­ti­­ca financeira (congelamento de carreiras e corte de subvenções) e da política de segurança social (passagem para o regime geral e alteração da idade de re­for­ma).
A redução das férias judiciais, que em abstracto se poderia tomar como uma providência própria de uma dada visão estratégica para o sector judicial, de facto e bem vistas as coisas, nem isso chega a ser. Bem ao contrário, ela insere-se no quadro mais geral de um programa "nivelador" e de uma doutrina "igua­­­litarista" que o primeiro-ministro de­­ma­­go­gi­­ca­men­te abra­çou. O que logo se documenta no modo in­de­co­roso com que apresentou a me­dida, lançando o aná­­te­ma do "pri­vi­légio injustificado" e da "regalia imoral" so­bre as profissões ju­rí­dicas e os magistrados em particular. E incul­can­­do no co­mum dos cidadãos a ideia enganosa de que os juí­zes go­za­vam "fé­rias de dois e três meses" e de que os tribunais estavam paralisados du­rante as chamadas "férias judiciais". Mas revela-se outrossim na invocação pelo mi­nis­­tro da Justiça de um estudo - um "estudo-fantasma" - que nin­guém co­nhe­ce, ninguém viu e a cuja substân­cia nunca nin­guém se re­fe­riu. Um es­tudo que apon­ta para um in­cre­mento da celeridade em dez por cento e que mais não é do que um cál­culo arit­mético do Governo, que, qual marçano de lá­pis na orelha, faz um uso grosseiro da "re­­gra de três simples".

2. O discurso populista, fomentador do ressen­timento so­cial, e a ausên­cia de uma fun­da­men­­tação minimamente consistente de­mons­tram que o encur­ta­­­men­to das férias judiciais não foi ditado por razões endógenas à justiça. Tra­ta-se, única e simplesmente, de uma extensão da "cartilha justicialista" de José Só­­­cra­tes, do seu programa "nivelador", da sua deriva "igualitarista". Programa que terá como desenlace inevitável a dis­solução do que restava do espírito de ser­­viço público, a "vul­ga­ri­za­ção" e "ba­na­lização" dos agentes respectivos, a de­gra­dação e "dessacra­li­za­ção" das funções do Es­ta­do soberano. Como ob­ser­­vou Pulido Valente, a preservação de certas dignidades de corpo - mesmo, quan­do aos olhos da sociedade, pareçam desprezíveis - confi­gura um ga­rante da identidade, diferenciação e aptidão para tal corpo exercer fun­ções de con­tro­­lo so­bre a comunidade. Vale a pena, a pro­pósito, re­cordar as pa­la­­vras de Mon­­tes­quieu, que sabia mais da natureza das demo­cracias do que sói su­por-se: "O princípio da democracia corrom­pe-se, não só quando se perde o espírito de igual­dade, mas ainda quando se adop­ta o es­pí­rito de igualdade ex­trema." Assumida que está a oposição à "política de jus­ti­ça" do Go­­verno, julgo que constitui um dever cívico, políti­co e profissional afir­mar uma frontal discor­dân­cia da realização da chamada "greve" dos juízes.

3. O estatuto constitucional dos juízes padece, desde sempre, de uma ambiguidade estrutural. Na verdade, as regras da lei fundamental reflectem, em medida diversa, duas concepções alternativas e concorrentes: a do "juiz titular de órgão de soberania", claramente predo­mi­nan­te, e a do "juiz-funcionário", ain­­da sobrevivente numa ou noutra solução. Esta si­tuação de "esquizofrenia cons­titucional" passou tam­bém para a regulamentação legal, onde infelizmente a concepção do "juiz-fun­cio­­nário" se impôs como prevalecente. A qualificação dos tribunais como órgãos de soberania e a reserva do exercício da função jurisdicional para os juízes erigem esta categoria de magistrados nos directos titulares daquele múnus so­be­rano. Não restam dú­vi­das, pois, de que é como titulares de órgãos de so­be­ra­nia que os juízes devem ser tratados e é como tal que devem assumir-se. O que, diga-se, tem conse­quên­cias de monta sobre os mais variados pontos, mas designadamente sobre a liberdade sindical e o di­reito à greve.

4. A legitimidade da exis­tên­cia de uma orga­ni­zação sindical de juízes sus­ci­ta as maiores dú­vidas e perplexidades: a mais nenhum grupo de titulares de órgãos soberanos se admite tal faculdade. Por um lado, não se desconhece a ime­dia­ta utili­da­de de uma associação, poupando os conse­lhos supe­rio­res a uma atitude sindical e identificando um interlocutor para outros poderes. Por outro, ela põe em pe­rigo a "independência" dos juízes perante os seus pares - di­ficilmente resiste à tenta­ção de se fazer implantar no terreno (nos conselhos superiores, na área da formação) e, invocando acriticamente os seus direi­tos de audição, tende a inter­ferir em pro­cessos de carácter estritamente ins­ti­tu­cio­nal. Em última análise, ela contribui decisivamente para a "funcionalização" dos juí­­­zes e da sua imagem, reduzindo-os ao status de meros "quadros superio­res".
Se os juízes são realmente titulares de órgãos de soberania, não sobe­jam dúvidas de que o direito à greve não lhes assiste. A titularidade de funções soberanas não congraça "direitos laborais". Só numa situação-limite, de grave atentado à inde­pen­dência dos tribunais, se de­ve admitir uma forma ra­di­cal de protesto, que, no entanto, extravasa o conceito de "greve" e se coloca no plano da defesa última do Estado de direito. O exer­cí­­cio pela Assembleia e pelo Governo das suas competências - por mais que se discorde do fundo e da forma das medidas - não legitima nem pode legiti­mar qualquer "greve" de juízes. Tanto mais que estes dispõem de outros meios menos gravosos e de uma ampla "liberdade de ex­pres­são" para fazer valer os seus pontos de vista. Ao que acresce, afinal, que a fei­tura de uma "greve" que­brará os finos laços de "confiança" com o povo por­tuguês (em nome de quem se administra a justiça) - fazendo quiçá o triste jo­go po­pulista do Governo. Os juízes são o rosto dos tribunais, os guardiões da sua integridade e do seu prestígio: não devem pô-los em causa.
Andou bem o insuspeito constitucionalista ita­lia­no Ro­berto Bin, quando re­centemente escreveu: "Juízes e políticos não devem amar-se; mas devem res­peitar-se." Jurista; Deputado (PSD)

Anónimo disse...

COM A DEVIDA VÉNIA, TRANSCREVEMOS AQUI UM TEXTO DO JUÍZ CONSELHEIRO CUSTÓDIO PINTO MONTES, RECOLHIDO DO BLOG VERBO JURÍDICO: Os privilégios dos Juízes Conselheiros
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In Portal Verbo Jurídico, 24.09.2005
Por Dr. Custódio Pinto Montes, Juiz Conselheiro
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«No Expresso de 17.9.05, discorre o Sr. Advogado António Marinho sobre os privilégios dos juízes e eu, como Juiz Conselheiro, pelos vistos também sou um privilegiado.
Tenho a sorte de me levantar às 7H30 e chegar pelas 8H30 ao Tribunal de Braga, onde trabalho de empréstimo num gabinete que, necessariamente, terei de deixar se ele for preciso ao Tribunal.
Divirto-me a trabalhar até às 13 horas, altura em que vou almoçar e regresso ao divertimento até às 20 horas, muitas vezes até mais tarde, sendo necessário que a minha mulher me chame para jantar porque, frequentemente, me esqueço, tamanha é a alegria no trabalho; muitas vezes, regresso ao Tribunal, depois de jantar, onde me divirto até às 23/24 horas.
Como sabe, mas se não sabe eu digo-lhe que, desde 24.9.04, altura em que tomei posse, já relatei 84 processos (todos os processos que me foram distribuídos) e subscrevi, como Adjunto, cerca de 170: como vê não sou “madraço” como se disse numa reunião da sua Ordem Distrital, onde o Sr. Advogado participou, segundo se relatou na imprensa.
Este ritmo ocorre todos os dias e na maioria dos fins-de-semana e feriados, quer chova quer faça sol, menos às quintas-feiras.
É que, como sabe, ou devia saber, dada a sua profissão, um Juiz Conselheiro está condenado a trabalhos forçados.
Naqueles dias de trabalho, menos à quinta feira, asseguro ao Sr. Advogado Marinho que, apesar de ter o “privilégio”, não uso os transportes públicos gratuitamente porque não tenho tempo para passear nem, por outro lado, tenho motorista ou carro do Estado, como seria normal, se me reconhecessem, de facto, o Estatuto de Titular de Órgão de Soberania.
Chega, então, a quinta-feira e, para fugir ao ritmo habitual, levanto-me às 5H30, seja Verão seja Inverno, para ir apanhar o Alfa ao Porto.
Então aí sim, “usufruo de viagens totalmente gratuitas …incluindo, obviamente, os comboios Alfa”; de burro, como o fez, há anos, António Costa, não chegaria a tempo à sessão.
Mas garanto ao Sr. Advogado que fica mais barato ao Estado este transporte do que pôr-me à disposição um motorista e um carro condigno para me levar a Lisboa e trazer, como acontece com os demais órgãos de soberania, ou não reconhecerá o Sr. Advogado que eu, Juiz Conselheiro, sou titular de um órgão de soberania ?
É que seria absurdo, não acha Sr. Advogado, que, sendo o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça a quarta figura do Estado, um seu par não fosse titular do Órgão de Soberania Tribunais, a quem deviam caber as demais mordomias de que gozam os outros titulares de órgãos de soberania.
Pela mesma condição da natureza do meu cargo, devo dizer ao Sr. Advogado que a ajuda de custo que me dão no dia em que vou a Lisboa, não é comparada à dos outros Órgãos de Soberania que têm direito a três dias de ajudas de custo, mesmo que regressem no mesmo dia a casa.
Há apenas um erro no seu vociferado ódio contra os juízes: é que eu não recebo renda de casa, mas, antes, um subsídio de compensação pelo facto de o Estado me não atribuir uma casa de função, como determina a lei - art. 29.º1 e 2 25/21.85, de 30.7.
Ora, há-de convir, que um juiz Conselheiro deve ter casa condigna com a sua condição de titular de Órgão de Soberania ou, então, ser compensado para a usufruir.
E devia saber que os demais titulares de Órgãos de Soberania recebem muito mais do que os 700€/mês, que, aliás, só comecei a auferir, nesse montante, em Julho/05.
E diz o Sr. Advogado que todos nós temos casa própria.
Pois tenho, mas devo dizer ao Sr. Advogado que a minha casa foi comprada com a venda de terrenos que meu pai me deixou e com a contracção de um empréstimo que, felizmente, já paguei; não foram os magros rendimentos que auferi no decurso da maior parte do tempo da minha carreira de 32 anos que me permitiriam ter a casa que tenho.
Também lhe digo que sou poupado – tenho que o ser – e compro até os carros já usados, embora deva reconhecer que o meu Estatuto me devia permitir viver sem estes constrangimentos.
Pergunta o Sr. Advogado, em jeito de conclusão, “mas que têm esses privilégios em comum?” e responde “ambos são pagos através de verbas que saem do Cofre dos Tribunais, o qual é alimentado pelas receitas provenientes das custas judiciais”.
Mas se assim é, não acha o Sr. Advogado que nós os Juízes delapidamos menos o cofre dos tribunais do que a sua classe?
Então não é verdade que da taxa de justiça cível cobrada em todos os processos do País – art. 131.º, , 3, a) e c) do Cód. das Custas Judiciais (Dec. Lei n.º 324/03, de 27.12) - a vossa Ordem de Advogados recebe a permilagem de 21%º e a vossa “Caixa de Previdência” e a dos Solicitadores recebem a permilagem de 56%º ?
E haverá alguma razão para o Sr. Advogado, profissional liberal, receber essas permilagens do cofre dos tribunais, alimentado pelas custas judiciais, ainda para mais engordando a sua Caixa de Previdência que devia ser paga por si próprio, como acontece comigo que desconto todos os meses parte do meu vencimento para tal finalidade ?
Então, o Sr. Advogado não recebe os honorários dos seus clientes ?
Essa anormalidade acontece em mais alguma profissão liberal ?
Haja decoro Sr. Advogado, quando de cima da sua “duralex” se referir aos juízes e tenha mais respeito por eles, como o seu Estatuto lho exige, ou, pelo menos, se também quiser ser respeitado».
Custódio Pinto Montes
Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça