quarta-feira, maio 21, 2008

A catástrofe económica que não aconteceu



Alguns jornais de hoje referem pela primeira vez a hipótese de o alegadadamente péssimo desempenho da economia portuguesa no primeiro trimestre poder ter alguma coisa a ver com a deslocação da Páscoa do 2º trimestre para o 1º, o que implicou que no mesmo período de 2007 houvesse mais três dias que o normal e que em 2008 houvesse 1 dia a menos.

É óbvio que isto tem muito peso num período de tempo que conta apenas uns 64 dias úteis. Se não tivesse havido medidas compensatórias das empresas - e é claro que houve horas extraordinárias, por exemplo - esse factor explicaria, só por si, uma variação negativa da produção de mais de 6 pontos percentuais. Feitas as correcções, o mais natural é que, ao contrário do que é geralmente admitido, não tenha havido nenhuma quebra do crescimento do produto nacional.

Acontece, porém, que, nos outros países europeus, a Páscoa também se deslocou de Abril para Março, de modo que essa circunstância não pode explicar a disparidade de desempenho entre a economia portuguesa e as restantes economias da União Europeia.

A não ser que...

A não ser que, ao contrário do INE, os institutos estatísticos dos outros países entreguem ao Eurostat os dados da conjuntura já corrigidos da variação dos dias úteis!

Fui então à procura do relatório de Síntese de Conjuntura do INE, onde li isto:

Note-se que as estimativas rápidas para estes países [Alemanha, França e Espanha], diversamente das estimativas para Portugal, são corrigidas de dias úteis.

Extraordinário, não é verdade? Vejam bem:

1. Ao contrário dos outros países, o INE não faz a correcção dos dias úteis. (Leio na página 19 do Jornal de Negócios de hoje que, segundo o INE, isso é muito "complexo".)

2. O INE compara explicitamente no seu comunicado de há dias dados que não são comparáveis.

3. Os jornais, designadamente os especializados no tema, não questionam os termos da comparação.

4. O coro dos economistas profissionais, pelo seu lado: a) não acha estranha a evolução económica anunciada; b) não relaciona a variação do produto com a variação dos dias úteis; c) desconhece que os dados de conjuntura dos outros países europeus são corrigidos dos dias úteis; d) não se inibe de proclamar de imediato o agravamento da situação económica do país.

5. A oposição decreta a falência da política económica do governo.

6. Decreta-se um estado geral de alarme no país e exigem-se medidas de emergência.

Bem vistas as coisas, porém, o único défice estrutural do país é de competências: não há ninguém capaz de analisar e interpretar uma simples síntese de conjuntura. E assim se faz uma crise.

20 comentários :

Nuno disse...

Mas alguém no seu prefeito juizo toma como verdade o que lê nos jornais?
Os que já foram de referência agora são autênticos pasquins (Público). Uns querem marcar a agenda política numa clara confusão de qual a missão de um jornal (Sol). Os gratuitos, o CM e o 24 horas são sensacionalistas e não são para leva a sério! Em todos eles as manchetes da 1ª página são por vezes falsas e desmentidas no corpo do artigo!!!!
Se exigissemos dos jornalistas (e de nós próprios) o que exigimos dos políticos talvez estivéssemos bem melhor!

Anónimo disse...

Depois de ler esta entrada, fui comprar o jornal mencionado. Li o que lá se diz e confesso que estou impressionado.
Então os senhores economistas não estudam antes de falar ?
Ou será mais uma campanha orquestrada para convencer que estamos no Inferno e que a salvadora vem a caminho?

Anónimo disse...

Portugal tem as suas cidades, vilas e até aldeias, cheia de praças, ruas e travessas cheias de nomes de jornalistas. Seria fastidioso, citar aqui a história de muitas dessas figuras que granjearam o respeito a admiração dos portugueses. Apenas me resta uma pergunta: alguém acredita, que daqui a alguns anos, haverá um só nome de um Jornalista, em alguma rua de alguma cidade, vila ou aldeia deste País?

MFerrer disse...

Espero sinceramente que a direita, qualquer serve, ganhe as próximas eleições e constituia governo. Vai ser de morrer a rir, estes "prejudicados" a chorarem que os hospitais acabaram, as escolas estão sem profs, as consultas méicas são um sonho ou um peesadelo, nada funciona e tudo está pelas horas da morte!
Pode ser que aprendam.
Que se lembrem do Guterres que queria um país com solidariedade...
Nada como uma sociedade neo-con!
Se não sabem o que é, a culpa não é minha, e vão ter de esperar para ver.
As explicações acabaram!
Passar bem !
MFerrer

Anónimo disse...

Há que ver as coisas pelo lado positivo, se isto é apenas cosmética e a economia está melhor do que se pensa, então o anúncio das medidas de emergência ainda vai ajudar mais ao crescimento... a menos que quem toma decisões de investimento siga os ditos "jornais de referência", o que é pouco provável.
Vendo bem, se as notícias forem boas o governo acomoda-se, deve ser esse o objectivo do INE, inquietar as hostes e reduzir as horas de sono do PM (assim ao jeito da MFL) para ver se ele não fica a gozar a sombra da bananeira...

Anónimo disse...

De facto é uma variação fortíssima que essa "distracção" do INE.
Confesso que ainda fui verificar se aqueles estavam expurgados de sazonalidade, e estavam como sempre, mas pelo vistos não de toda a "sazonalidade".

Gostava de ter catado essa.

Anónimo disse...

Faltam aí algumas palavras no comentário que escrevi.

Segunda tentativa:

De facto é uma variação fortíssima que essa "distracção" do INE acarreta.
Confesso que ainda fui verificar se aqueles dados estavam expurgados de sazonalidade, e realmente estavam como sempre, mas pelo vistos não de toda a "sazonalidade".

Gostava de ter catado essa.

Rui MCB disse...

Folgo em ver que finalmente as questões técnicas e as limitações do INE vão preocupando mais do que os seus funcionários. Espero que não se fiquem por aqui e que tentem comparar recursos, legislação e empenhamento político quando olharem para os dados da Alemanha, França, Espanha e Portugal.
A ausência de correcção de efeitos de calendário é de facto um ponto fraco há muito identificado pelo INE. Posso-vos garantir que temos acompanhado o estado da arte das técnica nessas matérias faltando tão só condições para desenvolver as ditas em Portugal. Dois técnicos superiores a tempo inteiro e mais dois a tempo parcial não podem fazer milagres sem prejuizo de descurarem outras critérios de qualidade. Ainda esperamos que algum ministro aceite reforçar a equipa.
Entretanto olhando para os dadso devo por um lado sublinhar que a subida do PIB no 4º trimestre sofre do mesmo "mal", nesta caso a subida terá sido insuflada por mais 3 dias úteis que em igual trimestre em 2006. Ou menos faça a justiça de aceitar que os dados do INE são honestos e coerentes, descontados os aperfeiçoamentos que há por fazer.

Uma última nota, não percebo o que o autor do texto quer dizer com:
"2. O INE compara explicitamente no seu comunicado de há dias dados que não são comparáveis."

A que comunicado se refere? E a que comparação?

Anónimo disse...

Corolário ao post e ao comentário de rui mcb.

A quebra de 0,2% do último trimestre de 2007 para o primeiro trimestre deste ano, afinal não existe!

Já agora, rui mcb, existe alguma rule-of-thumb para compatibilizar os sábados, domingos e feriados? Como 1 sábado=0.5 dia útil?

Anónimo disse...

Uma posta para guardar.

Parabéns.

Rui MCB disse...

Miguel Carvalho,
A quebra aconteceu tanto quanto a subida que se registou do 3º para o 4º trimestre, ou quanto aconteceu o aumento entre o 4º de 2006 e o 4º de 2007. A metodologia é sempre a mesma, é essa a garantia do INE. QUando há mudanças o INE avisa e disponbiliza informação sobre o que mudou. Estou certo que assim será quando tivermos correcção de efeitos de calendário nas CNT.

Continuo à espera de quem me explique o que é que querem dizer com :

"2. O INE compara explicitamente no seu comunicado de há dias dados que não são comparáveis."

A que comunicado se refere? E a que comparação?"

Aguardo pacientemente.

Rui MCB disse...

Na Austria, aquele país dos alpes muito catita e onde também aocntecem coisas estranhas, sucede com frequência um fenómeno curioso.
Quanto mais fins de semana e feraidos mais cresce mais cresce o PIB. Parece que como é um país muito aberto ao turísmo interno e externo o efeito de haver menos um dia útil acaba por em termos liquidos (menos indústria, mens construção mas amis receita de turísmo e mais comércio emprar quase sempre o PIB para cima.

Portugal, portento da indústria e da construção civil, terá que tipo de efeito de calendário?
Eu não sei, julgo que no INE ninguém sabe. E na câmara cororativa quanto apostam em como menos dias úteis têm necessariamente um efeito negativo para o PIB?

Luís Serpa disse...

Esperemos que alguém se lembre disto para acabar com a praga das pontes.

Anónimo disse...

Rui MCB,
eu não quis de modo nenhum pôr a metodologia do INE em causa. Apenas supus que a tal quebra 0,2% desaparecesse se controlássemos esses efeitos de calendário, dado 2007Q4 ter tido mais dias úteis que o habitual e 2008Q1 ter tido menos.

Eu faço parte aliás dos que têm sérias dúvidas que a coisa seja assim tão linear. Torço obviamente o nariz quando oiço as associações empresariais a dizer que mais um feriado implica menos centenas de milhões de produto. Acho até cómico que se multiplique o número de horas que um trabalhador tem de dispensa - se for candidato autárquico - pela produtividade média, para se chegar a um valor X, que alegadamente representa o custo das eleições.

Mas por isso mesmo perguntei-lhe se havia uma rule-of-thumb para sábados, domingos e feriados... por mais imprecisa que seja.

Cumps

Afonso Mesquita disse...

Escreve o Rui:

Não percebo o que o autor do texto quer dizer com:
"2. O INE compara explicitamente no seu comunicado de há dias dados que não são comparáveis."

A que comunicado se refere? E a que comparação?

Refiro-me a isto:

http://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_destaques&DESTAQUESdest_boui=10868736&DESTAQUESmodo=2

Como aí se pode verificar, os dados estatísticos referentes à Alemanha, à França, à Espanha e a Portugal são apresentados no mesmo plano, sem qualquer referência ao facto de que, no que toca aos dos três primeiros países, foi feita a correcção dos dias úteis.

José Neto disse...

A construção estatística das crises económicas

Em grande parte a referência quotidiana às crises económicas resulta da afirmação do jornalismo como novo produto de consumo. O ardina que vendia jornais no meu bairro apregoava sempre “Olha o desastre!”, mesmo que os jornais nesse dia não fizessem referência nenhum. Era a sua técnica de marketing. Os jornalistas de economia precisam de anunciar, descrever, falar de crises, porque a sua profissão vive delas.

Trata-se de um trabalho que pode ser feito com maior ou menor seriedade, mas o mundo dos blogues obriga também o círculo relativamente fechado dos especialistas a abrirem-se a outros olhares. Vêm isto a propósito de um post que chama a atenção para um aspecto – o 4º trimestre de 2008 teve mais 3 dias úteis que em 2007 - que terá passado despercebido entre a generalidade dos analistas, tornando as estatísticas portuguesas incomparáveis com as da União Europeia, só porque o INE não adopta a mesma metodologia dos seus congéneres, invocando a complexidade do processo.

Fonte: Síntese Económica de Conjuntura - Mensal - Abril de 2008

"Não haverão países "pobres" - só países ignorantes. E o mesmo será verdade para os indivíduos, as empresas, as indústrias e todos os tipos de organizações", disse Peter Drucker.

O que confere validade às estatísticas não é cada indicador calculado isoladamente, mas a rede de equivalência que se estabelece entre os diversos indicadores da rede estatística. Descoberta uma falha, os autores do post colocam naturalmente em causa todo o sistema: o INE, os jornais, designadamente os especializados, os economistas profissionais, a oposição, o Governo...

Concluem que...

* Bem vistas as coisas, porém, o único défice estrutural do país é de competências: não há ninguém capaz de analisar e interpretar uma simples síntese de conjuntura. E assim se faz uma crise.




Concordo.

David Fernandes disse...

E assim se faz (ou desfaz, ou refaz, ou redesfaz) uma crise.

É à vontade do freguês.

Lembro-me sempre dos números da sinistralidade rodoviária nas várias "operações" anuais: Natal, Páscoa, etc.

"Morreram menos x pessoas" "Houve mais y feridos graves".

Como se isto tivesse algum significado SEM se saber o resto: mais ou menos automóveis, mais chuva, menos vinho, mais ...

Mas ninguém se interroga.

Rui MCB disse...

Afonso,
Se ler com atenção as notas de rodapé que têm chamada no texto principal verá ue não é correcto dizer que há uma comparação no mesmo plano. Está lá bem explícito o seguinte:

"1 As estimativas rápidas para estes países, diversamente das estimativas para Portugal, são corrigidas de dias úteis. O EUROSTAT não divulgou
informação sobre o PIB da Itália."

Rui MCB disse...

Sendo certo que o INE não corrige efeitos de calendário (algo que se tem revelado um desafio constante por essa Europa fora e que está longe de ser um processo linear e de resultados sólidos e reprodutiveis de país para país) pensemos então intuitivamente em qual poderia ser o efeito de o 1º trimestre ter tido menos 1 dia útil.

Menos um dia útil poderá explicar menos consumo privado certo? Er… Talvez, a menos que por exemplo tenhas tido uma páscoa nesse trimestre. Aí o efeito depende de país para país. Há paises onde a existência da páscoa funciona como promotor do consumo. ALguns economistas estavam à espera de um tombo no consumo privado e contudo… Em suma, esta é dificil de responder. Até porque, mesmo se não tivesse havido páscoa e se o dia útil estiver por troca com um sábado também não é linear que o consumo desça. Qual o efeito líquido?

Bom, adiante. Passemos para o investimento. Menos um dia útil significa menos um dia para investir. Sim, é provável que aqui o efeito líquido seja negativo, menos um dia de actividade na construção, nas fábricas, etc. Mas mesmo assim se calhar saber se choveu mais ou menos que em igual período de ano anterior pode ser tão ou mais relevante que um dia útil. E contudo são poucos os países que integram essa info nas suas correcções. Mais uma vez, cada caso é um caso. E o efeito líquido pode nem sempre pender para onde esperamos.

Mas vamos agora para as exportações, menos um dia útil significa menos um dia para vender. Certo. Mas significa também menos um dia para importar. Ora nos últimos meses temos tido uma aceleração das últimas e uma desaceleraçao das primeiras. Se estas observações são um prenúncio de uma tendência, menos um dia de comércio externo terá tido um efeito líquido…? Pois, também é difícil, se calhar até foi bom para o PIB.

Há ainda a variação de existências: o que não se exporta mas é ou está produzido não desaparece por termos menos um dia útil, simplesmente muda de rubrica nas contas do PIB.

Se e quando o INE tiver condições e o patrocínio político para dar este salto de detalhe na análise das contas (e garanto-te que este e os anteriores governos e as pessoas são “culpados” mais que indirectos pela escassez de desenvolvimento e inovação no seio do INE) teremos uma resposta um pouco mais clara e haverá um pouco menos margem para tantas dúvidas. Mas mesmo hoje, sem o escudo de algum fancy model é possível conviver sem grandes traumas com os números que temos. “Basta” apresentá-los honestamente sem querer que pareçam o que não são. E quanto a isso o INE tem cumprido sem mácula.
É que olhando lá para fora e falando com os nossos colegas que já fazem estes tratamentos (vamos tendo mobilização e condições no INE para ir observando, o que já não é mau) descobrem-se coisas que surpreendem o senso comum e os menos treinados para pensar a economia. Numa economia pouco dominada pela indústria, assente cada vez mais no turismo, menos um dia útil e mais um dia de descanso pode revelar-se muito produtivo e ositivo para o PIB. É assim na Austria, por exemplo. Será assim em Portugal?

Afonso Mesquita disse...

Sobre o penúltimo comentário do Rui:

Tanto a frase que refere não foi ignorada que ela foi citada no post em discussão. Mas é preciso reconhecer que estava bastante escondida (foi o CC quem primeiro a notou) e que a prevenção não consta do resumo (que é o que toda a gente lê, jornalistas incluídos). Mas penso que estamos a gastar demasiado tempo com uma questão lateral.

Sobre o último comentário do Rui:

Sobre o impacto dos dias úteis, como diria o Camões, "mais vale experimentá-lo que julgá-lo". Ficamos à espera para ver. O Rui invoca falta de condições do INE. Por mim, não faço ideia, mas, vinda dele, a opinião tem para mim um certo peso.