quarta-feira, fevereiro 25, 2009

A palavra aos leitores

De e-mail de Manuel T., que acompanha o texto que hoje enviou para o CC: (...) assevero que essa história apenas traduz a realidade de uma pessoa concreta e não é mera ficção:
    "ECONOMIA REAL – 2

    Veio de relativamente longe já que a estrada é quase toda feita de curvas, pouco mais do que criança, à procura do que não havia, nem há, no torrão natal: trabalho certo, ordenado garantido, segurança, qualidade de vida suficiente, independência para não dever nem esmolar favores, considerações e respeito.

    Atracou-se primeiro a bancada e depois a máquina de multinacional nórdica de “shóios”, um primor de empresa: cantina e bar, médico e enfermeiro, batas de uma só cor para cortar vaidades e manias, uma limpeza extrema, casas de banho esmeradas como balcão de cozinha e chuveiros com água quente e fria, um exemplo, um luxo para a zona.

    Tinha um número para marcar o ponto que andava pelo meio dos dois mil e quê trabalhadores, homens e mulheres, dessa empresa de quem se ouvia, em plena crise do Cemitério de Santa Cruz – Timor, estar em expansão na Indonésia e aí pagar um caldo ao fim da manhã e umas moedas na mudança de mês.

    Mais ou menos por essa altura, a multinacional começou a encolher, pé ante pé, e ela, olhando largo e concluindo pelo encerramento da fábrica a prazo nada longo, aproveitou para se pôr ao fresco, negociando uma indemnização que ajudou a esbater os encargos com a construção de casa própria.

    Livre, que é como quem diz, começou a bater às portas das senhoras e dos senhores das vizinhanças para saber se não estariam precisados de mulher capaz de limpar por dentro, compor jardins na frente das vivendas e agricultar a terra das traseiras.

    Como em anos anteriores que já vão bastantes, nesta altura em que já vai sendo tempo de semear as batatas, manhã cedo ela mete-se no pequeno carro a caminho de mais um compromisso, até à uma da tarde respeita a clientela com luvas, galochas e enxada sem parança, recebe o já interessante custo da dura jorna e depois vai à vida dela, tratar do que é dela: marido, filhos e casa.

    E a crise? – pergunta a antiga colega de fábrica que nunca mais trabalhou fora.
    – Se muitos trabalhassem como eu! – responde sem erguer a coluna dobrada sobre a terra onde uma a uma enterra as batatas de semente…
    "

Sem comentários :