segunda-feira, fevereiro 01, 2010

“Cavaco não entusiasma ninguém. E, para seu mal, não tem grande talento político.”

A direita, sempre ávida dos textos de Vasco Pulido Valente, deixou-se ontem ficar nas covas. Só o perspicaz João Gonçalves reagiu à sua crónica no Público — e fê-lo naquele estilo que o distingue, pondo em relevo as contradições dos textos do investigador emérito, como quem acaba de descobrir a roda. Afinal, havia uma pessoa ao cimo da Terra que não tinha ainda reparado que o cronista diz uma coisa hoje, outra amanhã e assim sucessivamente.

Mais: que o cronista não escreve com o mínimo rigor, como aconteceu ontem, em que, pretendendo retomar a ideia exposta por Pedro Adão e Silva de que Cavaco, em eleições, nunca foi capaz de ultrapassar a fasquia dos 51 por cento, escreve esta pérola: “O dr. Cavaco ganhou sempre por pouco: tanto as maiorias do PSD, como a maioria presidencial. O melhor resultado foi a segunda maioria do PSD (0,6 por cento) e a maioria presidencial ficou pelos 0,4 por cento.”

Em todo o caso, é curiosa a coincidência: quando os rabiscos de Vasco Pulido Valente mais se aproximam da realidade é que a direita se remete a um silêncio soturno. Aqui fica um extracto da sua crónica de ontem, para se saber do que estamos a falar:
    “O dr. Cavaco ganhou sempre por pouco: tanto as maiorias do PSD, como a maioria presidencial. O melhor resultado foi a segunda maioria do PSD (0,6 por cento) e a maioria presidencial ficou pelos 0,4 por cento. Isto quer dizer que socialmente Portugal é um país de esquerda e também que, lá no fundo, não gosta muito da personagem. Formalista, presunçoso e rígido, Cavaco não entusiasma ninguém. E, para seu mal, não tem grande talento político. Soares, por exemplo, percebeu no primeiro mandato que precisava da direita para ser reeleito e acabou por a convencer com cinco anos de turismo político e uma inimaginável reserva de boa disposição e de empatia. Não ensinava, nem pregava. Mostrava ao cidadão comum um homem natural e espontâneo. Cavaco, nos seus melancólicos "roteiros", faz declarações de Estado, com ar de quem engoliu uma vassoura e, até quando o acham razoável, as pessoas não se aproximam dele. A esquerda não deixou de o execrar.

    Além disso, para mal dele, o professor, mesmo em Belém continuou a ser um professor e um primeiro-ministro. Ensina e manda. Não tenta convencer. Mas para mandar, o Presidente precisa de um partido e Cavaco arranjou esse partido: o seu velho partido, agora entregue a uma fiel discípula. Se existia a sombra de uma dúvida, o episódio do último Orçamento provou a toda a gente que Ferreira Leite, e com ela o resto do PSD, o servia com pontualidade e zelo. Não houve jornal que não o louvasse pelo sucesso das "negociações". Mas nenhum jornal o avisou que ele entrava num terreno perigoso: o da subordinação do Parlamento (ou parte dele) ao Presidente. Porque uma coisa é conceder ao prof. Cavaco um novo mandato e outra, muito diferente, é fazer dele o tutor e o chefe de um bloco de direita, que na prática reúna os poderes fundamentais da República. Para esse exercício, como ele não tardará a perceber, Portugal não está por enquanto preparado.”

Sem comentários :