sexta-feira, outubro 27, 2006

Neo-realismo sem direitos


Noronha do Nascimento fez, na tomada de posse como presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), um discurso que merece realmente uma análise — como têm dito (e reclamado) leitores do CC.

No meio de algumas histórias, em que é contada a pouco abonatória morte à sua frente de um homem que ele estava a julgar — se repete a façanha como presidente do Conselho Superior da Magistratura, será uma razia (e é um bom motivo para não o incluir no Conselho de Estado) —, faz um discurso sem rasgo, dedicado à morosidade dos tribunais e a questões técnico-processuais.

A parte das histórias já é um clássico na justiça portuguesa. O próprio Souto Moura, com todo o seu cinzentismo, não resistiu a contar, na despedida, as peripécias com a Fininha e a sua epopeia de fura-greves em Coimbra.

Noronha conta histórias mais próximas do realismo fantástico sul-americano do que do neo-realismo com que pretende identificar-se.

Mas o mais surpreendente é que Noronha não diz, ao longo do seu discurso, uma única palavra sobre direitos fundamentais e o papel dos juízes na defesa desses direitos. Manifestamente, Noronha não compreende o alcance da separação de poderes, nem para que serve a independência dos tribunais.

Saberá o presidente do STJ que os tribunais devem assegurar a defesa dos direitos dos cidadãos, como estabelece o artigo 202.º da Constituição? Não estará a quarta figura da hierarquia do Estado preocupado por o Tribunal Constitucional julgar com frequência inconstitucionais, por violadoras dos direitos, as decisões de outros tribunais? São matérias sobre as quais Noronha nem às paredes se confessa.

Se calhar, ainda vamos descobrir que Noronha enveredou por uma nova modalidade de neo-realismo. É o neo-realismo economicista e liberal, que deita para trás das costas os direitos fundamentais dos cidadãos e só se preocupa com outros problemas.

Talvez se justifique um conselho ao presidente do STJ, agora que iniciou funções. Deixe o poder político tratar do mapa judiciário e da racionalização do processo civil e executivo e embrenhe-se naquilo que lhe compete — garantir que os tribunais defendem os direitos e interesses dos cidadãos e assegurar que os juízes são recrutados, avaliados e promovidos com seriedade. Se o conseguir fazer, a comunidade fica agradecida.

8 comentários :

Anónimo disse...

Miguel: dê um vista de olhos pelos blogs dos magistrados e comprove como eles fazem vénias ao discurso ou se calam muito bem caladinhos. Os juízes são mesmo independentes???

Anónimo disse...

Miguel "não compreende o alcance".
Não alcança que o que está em causa no discurso é o direito fundamental do acesso ao direito e aos tribunais (impedido pela colonização do sistema por, por exemplo, empresas que concedem crádito irresponsavelmente)?
Não alcança que todos os demais direitos fundamentais só podem ser garantidos pelos tribunais se estes não tiverem os seus recursos humanos e técnicos afectos al lixo processual?
É preciso fazer um desenho?
Pérolas...

Anónimo disse...

É uma forma muito enviezada do Conselheiro Presidente querer mostrar a sua vontade de defender os direotos dos cidadãos... lá isso é...

Anónimo disse...

Pois eu sou juiz e gostaria de me identificar.
Se vocemecês fizessem o mesmo.
Quanto ao Conselheiro Noronha, ex-sindicalista, não constituiu novidade o que diz e que faz.

Anónimo disse...

caro miguel,os poderes oligarquicos da justiça nem piam,nem miam, alias é o procedimento habitual.demitem-se de dar opiniões, num país livre. o servilhismo é o 1º. prato na refeição desses senhores.
continue com as suas opiniões livres, é um gosto ler os seus pontos de vista.
ribeiro

Anónimo disse...

Ribeiro quê, ó anónimo corajoso?
Ribeiro da parte do pai e servil da parte da mãe?
E ao menos deram-te nome próprio?
Já agora qual é a raiz etimológica de servilhismo?
Será Servilha? Ou simplemente ervilha?

Anónimo disse...

Resposta ao anónimo das 09:35:17PM, outro anónimo responde.
sobre o comentário pouco ou nada a dizer, mas ficaria de mal com a minha consciência se o tão ilustre intelectual de retórica adjectiva tão rasca, não levasse uma resposta ao nível das perguntas que colocou.
• O ribeiro é tão corajoso ou mais, como os magistrados medíocres que por aqui vão passando, opinando anonimamente;
• Honrosamente por parte do pai e da mãe, gente pobre, humilde e trabalhadora, que não pede meças aos ignorantes, mas fundamentalmente séria, o que não acontece com muita "boa" gente que por aqui comenta e que são uns autênticos “excrementos da sociedade”;
• O nome é um nome como qualquer um, podia ter um igual ao teu "jumento", porem o meu nome é comum a muitos homens de bem, do teu já não poderei dizer o mesmo, não é "jumento"?;
• A mitologia não é o meu forte, gosto mais de deusas ao natural, já os teus gostos, não sei, talvez andem mais por deuses da mitologia das “bichas terrenas” , não?;
• Gosto de ervilhas de todas as formas, gostos não se discutem, confesso que nada sei sobre os teus gostos, mas dá para perceber que és mais um dos "gostosos magistrados" que não se cansam de injuriar, atiçar, enxovalhar e até de crer "massajar" com ameaças, aqueles que se indispõe contra os interesses corporativos instalados;
• Servilha, serrilha, sevilha, setilha, ervilha, seja lá o que for, a verdade é que muitos de vós serviste durante dezenas de anos, de forma servil, infame e bajulante o fascismo, impondo nos tribunais uma lei de terror. Isso eu sei, todos nós sabemos e vocês sabem, que nos sabemos e nunca o esqueceremos. Mas nunca. Uma coisa tenho certeza, todos temos a certeza, a historia registará para todo o sempre o comportamento colaboracionista, de muitos de vos, durante esse período NEGRO da nossa recente historia.
É notório no texto, uma altivez arrogante, demonstrativo das fracas qualidades humanas de quem o escreve. Os senhores feudais e a plebe. Acho que ficaria bem este titulo no teu texto.
Por hoje é tudo, amanhã é outro dia.
Saudações
ribeirinho

Anónimo disse...

Ó Ribeirinho:
Serviu o meu comentário, pelo menos, para escreveres melhor.
Ou pediste a alguém para escrever por ti?
Um poeta falhado, talvez...