terça-feira, outubro 31, 2006

A palavra aos leitores – Devem os crimes sexuais contra menores serem crimes públicos?

O leitor AA é muito estimado nesta casa: há muito que acompanha o CC, nunca tendo deixado de exprimir os seus pontos de vista, na maioria das vezes em oposição ao que é dito por mim, mas também revelando aqui ou acolá convergência de posições, como aconteceu com a apreciação sobre o papel da Dr.ª Cândida Almeida no DCIAP.

Só o facto de o leitor AA se ter proposto levar a cabo a minha educação jurídica, o que tem feito com inexcedível zelo, justifica que o leia com redobrada atenção. Eis a sua última aula:

    “Caro Miguel Abrantes, viu mesmo o debate?

    É que foi patente, para todos os que a ele assistiram, que o debate não “foi para intervalo”. Foi evidente, para todos os que a ele assistiram, que, no penúltimo plano dado da Sra. Jornalista estava ela de olhos fechados. Todos puderam ver, no último plano, a Sra. Jornalista a ensaiar uma pergunta de olhos fechados, mal conseguindo articular as palavras (indo a Dra. Mata-Mouros em seu auxílio, tentando completar a frase), tendo a emissão sido cortada quando ela tentava falar, sem conseguir.
    Afinal, a sua capacidade de observação pede meças ao seu bom gosto.

    Quanto à opinião da Dra. Mata-Mouros, duas notas apenas.
    A primeira serve para assinalar que “fez as pazes” com o Ministério Público: numa matéria tão sensível como é a protecção da vítima menor, a sua aprovação ao depósito da decisão de suspender o processo nas mãos do Ministério Público, a sua confiança no discernimento e critério dos Magistrados do Ministério público é uma deliciosa ironia do destino.
    A segunda serve para lhe chamar a atenção para o facto de se estar a afastar dos seus terrenos de caça - a crónica de slogans - e a entrar em matérias atinentes à ciência jurídica. Tome cuidado que o diâmetro da borda do seu poço pode ser mais estreito do que pensa.
    Admitir a desistência de queixa — Recordo-lhe que há soluções intermédias (sindicada pelo juiz de instrução) quando o agressor não seja membro da família ou tenha com ela estabelecido qualquer relação ou tentativa de contacto e haja pareceres médicos no sentido de ser totalmente desaconselhado arrastar o menor para um julgamento. Neste caso, pode ser considerado um paternalismo intolerável confiar cegamente na decisão (não impugnável!) do Ministério Público, que pode dar prioridade a outros dos interesses que tutela (como combater cifras negras), em detrimento do exclusivo interesse da criança prosseguido pelos seus pais.
    A.A.”

Caro AA:

1. Acha mesmo importante eu não ter percebido que o intervalo ocorreu à hora marcada ou que foi antecipado? Claro que não vi o piscar de olhos da entrevistadora, porque estava mais interessado em ouvir o que era dito do que em descortinar trejeitos faciais dos intervenientes no debate. É que, sendo o tempo um bem tão escasso, não posso, em regra, dedicar-me a uma só empreitada de cada vez: ouvia o debate enquanto actualizava o blogue.

2. Nada tenho contra o Ministério Público, que, nos termos do artigo 219.º da Constituição, representa o Estado no exercício do poder punitivo. Mas a verdade é que não confundo — nem de perto, nem de longe — o Ministério Público com o soviete do Dr. Cluny e da Dr.ª Cândida Almeida.

3. Quanto à suspensão dos processos, chamo-lhe a atenção para uma distracção no seu comentário (o erro é tão infantil que não acredito, pelo que li em dezenas de comentários anteriores, que resulte de ignorância). A suspensão do processo — no interesse da criança — é promovida pelo Ministério Público, mas depende da concordância dos juízes de instrução, como a Dr.ª Fátima Mata-Mouros. Por isso, não vejo qual seja o perigo de desprotecção das crianças. É necessária a concordância do Ministério Público e do juiz, sendo que aquele não deixará de ouvir os representantes da própria criança.

O que é absurdo, deixe-me insistir, é fazer depender a punição do violador da vontade dos pais da vítima. A solução que preconiza — e que foi defendida pela Dr.ª Fátima Mata-Mouros no debate — parece-me mais digna de um país em que vigora a sharia.

Portanto, meu caro AA, aquilo que propõe não faz sentido nenhum. O juiz já tem competência para suspender o processo. O que a lei não pode permitir é que os pais tenham a possibilidade de encobrir o crime, como tantas vezes infelizmente acontece.

4. Uma última nota (para si e não só): Coimbra deu-me a formação necessária para entender estas matérias. A classificação obtida comprova-o.

PS — Nos últimos comentários por si subscritos parece estar a perder a postura cordata que assumiu desde o princípio. Porquê?

2 comentários :

Anónimo disse...

Esta é uma discussão verdadeiramente interessante. Gostaria de a ver prosseguida para todos ficarmos elucidados.

Anónimo disse...

"Uma última nota (para si e não só): Coimbra deu-me a formação necessária para entender estas matérias. A classificação obtida comprova-o."

Afinal sempre existe um Especialista em Direito bem no fundo do ser do "Miguel Abrantes". Aposto que tirou 14 valores do curso de Direito - falta só saber em que ano o fez...