Mostrar mensagens com a etiqueta António Guerreiro. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta António Guerreiro. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, novembro 06, 2015

Exercício de metajornalismo

• António Guerreiro, Exercício de metajornalismo:
    «(…) Um exemplo: se este jornal decidisse que a minha coluna semanal passaria a “contracenar” (segundo um modelo muito difundido) com a do João Miguel Tavares, estaria a desviá-la para uma região que lhe é hostil. Ainda que eu mantivesse o mesmo discurso, acentuava-se a dimensão de entretenimento e criava-se um falso debate entre duas pessoas que não falam a mesma linguagem. Em vez do jogo da oposição, teríamos o diferendo. E não se trata de um ser de Direita, segundo dizem, e outro de Esquerda, presume-se. Se eu quiser criticar os media, verificar que eles estão cheios de profissionais da “opinião”, isto é, de um editorialismo ideológico semelhante ao que Nietzsche chamava “moralina”, asfixiando o ambiente, se quiser mostrar a nefasta invasão dos media pelos políticos-comentaristas que ampliaram uma política Potemkin, servida por um idioma-propaganda que esvazia a linguagem, dificilmente o consigo fazer senão de fora. No interior, o mais certo é sujeitar-me a contaminações ou escorregar na contradição. Mas nem por isso devo deixar de tentar sempre, sabendo que ter uma consciência crítica do lugar de onde falamos e das limitações a que estamos sujeitos é a condição para fugir à doxosofia. Devo esta palavra a Pierre Bourdieu, que baptizou como doxósofos (um vocábulo formado por analogia com filósofos) uma classe específica de intelectuais. São aqueles que devem tudo aos media e às suas paralelas instituições culturais que se arrogam o poder de consagrar “figuras” que eles próprios produzem e fazem prosperar. Ao contrário do antigo intelectual, o doxósofo não traz para o espaço público uma autoridade reconhecida em qualquer campo do saber, da ciência ou das artes: nasce e desenvolve-se na incubadora mediática. No jargon da redacção dos jornais, é a “prata da casa”, uma baixela para todo o serviço a que é preciso sempre puxar o brilho.»

sexta-feira, outubro 30, 2015

Sem sombra de pecado

• António Guerreiro, Sem sombra de pecado:
    «Sobre Miguel Relvas, não me vem nada à mente. Mas, tendo deparado há uma semana com um artigo dele neste jornal (servia-lhe de título um decorativo quiasmo: Entre a força da razão e a razão da força), fui levado ao exercício ocioso de tentar perceber esta reaparição. Segundo os preceitos de uma moral antiga e dos códigos não escritos daquilo a que os franceses chamam bienséance, esta “figura” teria de expiar em silêncio a sua “culpa”, que não é nenhuma culpa trágica, mas é inibitória porque entra no território da vergonha, como acontece a quem fica nu numa praça pública. Mas a salvação que dantes se obtinha pela retirada obtém-se agora pela exposição mediática. A mediocracia e o clero que a governa têm um poder amnésico e de branqueamento. Miguel Relvas pode ter passado de fugida pela universidade, mas, como muitos dos seus pares, aprendeu por observação directa que o mundo separado e organizado através dos media, a que Guy Debord chamou “espectáculo”, funciona de acordo com esta regra: “O que aparece é bom, o que é bom aparece”. Ele sabe que para reconquistar a bondade, para obter a reparação com toda a leveza, só precisa de aparecer ostensivamente. (…)»

sexta-feira, julho 10, 2015

Já leu? (2)

O novo realismo é o título do artigo que António Guerreiro hoje escreve no Público. Vale a pena ler e guardar. Eis uma passagem:

    «Na busca de uma opinião universal como consenso, o posto mais avançado é ocupado pelos novos realistas. Trata-se de uma categoria de gente munida de argumentos que conservam, como armas, as receitas da propaganda maoísta e leninista importada de outrora, postas agora ao serviço de uma ideologia que não ousa nomear-se como tal: um novo realismo tão avesso à política das ideias que se entrega de maneira servil à política das coisas. Não há pior ideologia. Estes realistas por princípio, injuriosos face aos sonhos do passado de muitos deles, chamam utopia a tudo o que não se conforma o seu realismo dogmático e, contra ela, fazem constantes apelos à ordem: o novo realismo convoca prontamente o argumento moral. Utopia é, para eles, tudo o que lhes parece oferecer resistência ao presente. Qualquer forma de resistência é uma abominação, um idealismo criminoso, já que pensam conhecer melhor a realidade do que todos os outros. Não condenam apenas a resistência que se traduz em actos, mas também a resistência que se exerce pelo pensamento. “Não te obrigarei a pensar”, porque o que conta é a realidade: eis a injunção implícita em todo o novo realismo, que promete verdade e realidade a baixo preço. O novo realismo é um ressentimento anti-filosófico. E o novo realista é um conservador cínico e trocista: “Não te vergas à realidade, não aceitas a políticas das coisas-tal-como-elas-são? Vais ver o inferno a que te condenas e os castigos que te esperam”. (…)»