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segunda-feira, maio 25, 2015

Uma maioria viciada em enganos

• João Galamba, Uma maioria viciada em enganos:
    «A Ministra das Finanças, discursando num evento da JSD, voltou à tese de que cortar a fundo na despesa pública é essencial para a consolidação orçamental e para a recuperação da economia e para o emprego. E alertou para os perigos de quem ousa dizer o contrário:
      "Quando alguém diz que vai ter tantas mais despesas e que vai conseguir um crescimento económico que vai permitir que não haja mais impostos ou até que eles baixem não dá para acreditar porque simplesmente não é verdade".

    Acontece que discordar da Ministra não é um acto de irresponsabilidade financeira, é uma questão de respeito pelos factos e pela experiência dos últimos 4 anos.

    No orçamento para 2012, o Governo PSD-CDS duplicou a austeridade acordada no memorando inicial. O resultado foi uma recessão de 4%, mais do dobro do que o Governo previa inicialmente.

    Em Outubro de 2012, em pleno debate do Orçamento para 2013, o Primeiro-Ministro, depois de já ter cortado cerca de 7 mil milhões de euros em salários, pensões e investimento público (e de ter aumentado os impostos em 2 mil milhões de euros), e com a economia em colapso, diz que é essencial voltar a cortar 4 mil milhões de euros na despesa. Sem isso, garantia Passos Coelho, teríamos um segundo resgate.

    Na verdade, e se excluirmos a despesa com juros, o que acabou por acontecer foi que a despesa não baixou, como pretendiam o Primeiro-Ministro e a Ministra das Finanças. A despesa aumentou, passando de aproximadamente 73 mil milhões de euros em 2012 para 76 mil milhões de euros em 2014. Só no ano de 2013, com a devolução dos subsídios de férias e natal, cujo corte foi considerado inconstitucional, a despesa ficou quase 3 mil milhões de euros acima do que o governo previa no orçamento desse ano.

    E qual foi o resultado?

    Ao contrário das previsões catastrofistas do Primeiro-Ministro, não consta que não se ter cortado 4 mil milhões de euros na despesa tenha levado a um segundo resgate. Como reconheceu, no Parlamento, o próprio Secretário de Estado do Orçamento: o aumento da despesa pública resultante da intervenção do Tribunal Constitucional - que aumentou o rendimento disponível de pensionistas e funcionários públicos - levou uma melhoria da actividade económica.

    E foi assim que, depois de bater no fundo no primeiro trimestre de 2013, a economia iniciou a sua (lenta) trajectória de recuperação - à boleia de uma recuperação do consumo privado e de um corte no consumo público muito abaixo das pretensões iniciais do governo. Foi o recuo na austeridade e nos cortes na despesa que permitiram à economia respirar e sair da recessão.

    Não é possível olhar para o que se passou a partir de 2013 e não reconhecer que o recuo (forçado) no corte de 4 mil milhões de euros em despesa pública teve efeitos positivos na economia portuguesa. Teve efeitos positivos em 2013, com a devolução dos subsídios de férias e natal. Teve efeitos positivos em 2014, porque o TC voltou a travar mais um corte de pensões e salários e fez com que, durante três meses, não houvesse quaisquer cortes salariais na função pública. E está a ter efeitos positivos em 2015: para além da devolução de 20% dos cortes salariais, o fim da Contribuição Extraordinária de Solidariedade devolveu cerca de 600 milhões de euros aos pensionistas. Como é evidente, tudo isto tem impacto positivo no Consumo, que é a variável que explica a saída da recessão (mas não da crise). Se juntarmos os efeitos positivos da queda do preço do petróleo, da queda dos juros e da desvalorização do euro, é fácil perceber por que razão cresce a economia portuguesa.

    Se, para além da despesa em salários e pensões, incluirmos o dinheiro público gasto a financiar estágios e todas as políticas activas de emprego, que são o que explica grande parte da criação de emprego nos últimos anos, é fácil concluir que, ao contrário do que nos é dito pelo Primeiro-Ministro e pela Ministra das Finanças, o aprofundamento dos cortes na despesa pública não gera prosperidade. Cortar nos salários, nas pensões, na saúde, na educação, no investimento em ciência e cortar em tudo o que cheire a Estado não é seguramente o caminho para criar emprego e crescimento económico. É o que nos mostra a experiência dos últimos anos. E é o que manda o bom senso.

    Depois de ter sido obrigado a devolver 600 milhões de euros aos pensionistas em 2015, o Governo já anunciou que, se os portugueses deixarem, quer voltar a cortar esses mesmos 600 milhões já em 2016. PSD e CDS não aprendem com a experiência e não têm nada a oferecer ao país.»

sexta-feira, maio 15, 2015

Martelar (n)as auditorias


• Fernanda Câncio, Martelar (n)as auditorias:
    «Pôr o Conselho de Finanças Públicas e a Unidade Técnica de Apoio Orçamental do Parlamento a auditar programas de partidos (na verdade, só de um partido e aquilo que nem é ainda formalmente um programa), eis a última da maioria. Giro, mas que tal ver antes como auditaram as contas do governo? Comecemos pela medida mais paradigmática, o corte dos subsídios de Natal e férias de funcionários públicos e reformados.

    O OE 2012 diz que a medida vale 1800 milhões de euros líquidos, 1200 dos quais correspondentes aos funcionários. Mas quando no OE 2013 o governo apresenta a devolução dos subsídios como um "buraco causado pela decisão do TC que era preciso compensar", orça-a assim: "O aumento de despesa decorrente da reposição parcial de subsídios aos funcionários públicos e pensionistas vale cerca de 1700 milhões de euros." Ou seja, em 2012, quando eram apresentados como "poupança", os dois subsídios de funcionários e pensionistas valiam 1800 milhões líquidos, portanto, pouco mais de 2000 milhões brutos; no ano seguinte, à reposição parcial dos mesmos, que corresponde grosso modo a metade do cortado no ano anterior, é imputado um valor quase igual. À época, a Lusa resumia: "O valor bruto da reposição feita neste ano [2013] de um subsídio aos funcionários públicos e de 1,1 aos pensionistas é de cerca de 1650 milhões de euros segundo o OE. (...) A reposição do outro subsídio aos funcionários públicos e de 90% do subsídio de férias aos pensionistas pode chegar aos 1495 milhões de euros." Somando as duas parcelas o resultado é 3145 milhões. Pelo menos mil milhões mais do que o anunciado em 2012 pelo governo como "poupança" associada ao corte dos subsídios.

    Ou seja: total trapalhada (para dizer o mínimo). E a UTAO e CFP, que dizem? Pois que nada. Nem sequer no ano seguinte, quando o OE 2014 aprofunda o corte de salários dos funcionários públicos que, por decisão do governo Sócrates, estava em vigor desde 2011. Apesar de baixar a fasquia dos salários afetados e de ser muito mais severa (o corte de 2011 iniciava-se nos 1500 euros, diminuindo-lhes 3,5%; este começava nos 675, com 2,5%, sendo que 1500 perdiam 8,6% e a partir dos 2000 a redução era de 12%), a "alteração salarial" de 2014 é apresentada como "valendo" 643 milhões ilíquidos quando a anterior, no OE 2011, correspondia a 1190 milhões. Ante a incongruência, o DN questionou o Ministério das Finanças - sem resposta. Mas a UTAO viria a concluir ser preciso somar os dois valores para chegar ao correto: o corte de 2014 (que o Tribunal Constitucional chumbou) corresponderia assim a 1700 milhões. Ora se à ablação dos subsídios - 14% no mesmo universo salarial - o governo tinha atribuído, recorde-se, o valor líquido de 1200 milhões, como é que cortar entre 2,5% e 12% poderia valer mais? São só três orçamentos do Estado que não batem certo - pequeno pormenor no qual nem UTAO nem CFP (nem a tal de troika, lembram-se?) repararam. Mais que fazer, com certeza

terça-feira, maio 05, 2015

E é isto


    «(…) Em Portugal, o Governo compara muitas vezes a descida do défice entre 2010 e 2014, esquecendo que mais de metade dessa descida acontece de 2010 para 2011. E o Orçamento de 2011 não é do actual Governo, é do anterior. O PS foi muito mais eficaz em 2011 do que a Maioria em 2012 e 2013 juntos – e com muito menos austeridade. Uma das coisas mais ridículas da estratégia deste Governo foi a compressão salarial para aumentar exportações. Olhemos para os dados: 2014 foi o ano em que as exportações cresceram menos desde 2009. E em 2015 está a ser pior.»
      Passagem da entrevista de Manuel Caldeira Cabral dada ontem ao Jornal de Notícias (já referida aqui)

terça-feira, março 31, 2015

Cortar (n)o futuro


    «O expediente que o Governo tem usado para tentar cumprir as metas definidas para o défice publico é sempre o mesmo: chegados ao último trimestre de cada ano, o Governo, quando vê a meta do défice em perigo, corta sempre a fundo no investimento público, violando (para baixo) as metas que ele próprio havia anunciado aquando da apresentação, em Outubro, do OE para o ano seguinte.

    Foi assim em 2012, em 2013 e em 2014. Se, por exemplo, o Governo não tivesse travado a fundo no investimento no último trimestre de 2014, o défice não seria de 4.5%, mas sim de 4.9%.

    Podemos ter cumprido a meta do défice, mas a pergunta que interessa é: com que custo? Sacrificar o futuro, cortando a fundo no investimento, pode ser muita coisa, mas não é seguramente uma política inteligente do ponto de vista económico; nem orçamental, já agora.»

sexta-feira, março 27, 2015

Afinal os cofres estão cheios?

• Paulo Trigo Pereira, Afinal os cofres estão cheios?:
    «(…) Maria Luís, primeiro, e Passos Coelho, depois, reafirmaram que os cofres estavam cheios. Com a dívida pública a atingir 130,2% do PIB, retiremos o montante dos depósitos do Tesouro e veremos que os “cofres cheios” são uma migalha da nossa dívida. É certo que estamos em pré-campanha, mas espera-se um pouco de decoro.»

segunda-feira, outubro 20, 2014

O «enorme aumento de impostos» de Passos Coelho (de 2011 a 2015)

As principais alterações aos impostos desde que Passos se alçou a São Bento (trabalho do Expresso):

domingo, agosto 31, 2014

Gente de bem não é com certeza



«Sim, é espantoso. É a palavra certa.» Foi a reacção de Paulo Otero, professor catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa, quando confrontado por Fernanda Câncio sobre a mais recente golpada constitucional levada a cabo pelo Governo. Conta-se em poucas palavras.

Em Abril de 2013, o Tribunal Constitucional considerou inconstitucionais os cortes dos subsídios de desemprego e doença previstos no Orçamento do Estado para 2013, que foram devolvidos. Mas em Maio o Governo aprovava o 1.º Orçamento Rectificativo do ano, reintroduzindo os mesmos cortes, apenas alterando o universo de aplicação: passariam a incidir em valores acima de 419,22 euros.

Como a oposição se esqueceu de pedir a fiscalização sucessiva desta medida, o Governo aproveitou esta distracção para exigir em Setembro aos beneficiários das duas prestações a restituição da quantia relativa aos cortes correspondentes às prestações pagas desde a data da entrada em vigor do Orçamento Rectificativo (25 de Julho).

Estima-se que o Governo de Passos & Portas sujou as mãos por um montante que andará nos 32 milhões de euros.

Entretanto, os mesmos cortes foram inscritos no Orçamento do Estado para 2014, tendo sido declarados inconstitucionais. Espera-se que a oposição esteja agora atenta, não vá a direita ter introduzido à sorrelfa no 2.º Orçamento Rectificativo para 2014 os mesmos cortes.

ADENDA — O artigo de Fernanda Câncio pode ser lido aqui (cortesia da Shyznogud).

sexta-feira, junho 20, 2014

Presidente, à vez, estafeta, agente provocador e infiltrado

• Fernanda Câncio, O drone de Belém :
    «O uso oportunista, instrumental e cada vez mais subordinado à agenda do Governo que Cavaco tem feito da fiscalização constitucional chegou a isto: agora, o PR é moço de recados de Passos na guerra sem quartel com o Tribunal Constitucional (TC). De garante do normal funcionamento das instituições, principal dever que lhe é consignado, Cavaco passou a garante de completa anormalidade, prestando-se, sem uma palavra de protesto (muito menos de autoridade) a ser referido pelo Governo como forma de este "pedir orientações políticas ao TC" - fórmula provocadora que escolheu para crismar um pedido de fiscalização preventiva dos novos cortes de salários na função pública e "outras medidas alternativas".

    Recapitulemos: em 2012, Cavaco disse que o corte dos subsídios de férias e Natal a funcionários públicos e pensionistas "violava a equidade fiscal" - era inconstitucional, portanto. E fez o quê? Nada. Nem pediu a fiscalização preventiva - que só ele pode requerer - nem a sucessiva. Mas quando o TC declarou os cortes inconstitucionais veio, desavergonhado, afirmar que este lhe dera razão. Assumiu assim ter deixado, voluntariamente, passar normas que sabia inconstitucionais.

    Em 2013, porém, perante um corte menor - de um subsídio em vez de dois - pediu a fiscalização sucessiva dessa norma, assim como da contribuição extraordinária de solidariedade (CES).

    Em 2014, novo volte-face: ante cortes nos salários dos funcionários públicos muito superiores ao de 2013 (declarado inconstitucional pelo TC) decidiu não pedir fiscalização, asseverando deter "pareceres", que recusou tornar públicos, sustentando a não inconstitucionalidade. Aquilo que em 2013 defendera violar a Constituição, em 2014, apesar de muito mais gravoso, asseverava não a violar.

    Mas há mais: se a CES de 2013 lhe merecera, na exposição ao Tribunal Constitucional , o mais vivo repúdio pelo corte de pensões em pagamento, prescindiu de pedir a fiscalização, preventiva ou sucessiva, da CES de 2014, que incide sobre pensões mais baixas. O mesmo em relação ao corte nas pensões de sobrevivência, que o TC acaba de considerar inconstitucional. Mas não tuge nem muge quando o Governo torna público que lhe sugeriu que suscite a fiscalização preventiva da contribuição de sustentabilidade (corte definitivo nas pensões que "substitui" a CES) - jeito que já fizera ao Executivo em 2013, solicitando a fiscalização preventiva da "convergência das pensões", vetada pelos juízes.

    Como pode um Governo que se queixa de uma alegada "falta de bússola" das decisões do TC ignorar os ziguezagues do PR nos pedidos de fiscalização? É simples: o Presidente, qual drone, passou a ser telecomandado pelo centro de operações de São Bento. Piruetas, tombos e deslizes devem-se à perícia (é mais falta dela) de quem manobra. Fazendo do Presidente, à vez, estafeta, agente provocador e infiltrado. E ele, aparentemente, encantado.»

quarta-feira, junho 11, 2014

E se fosse entregue à Tecnoforma
a formação dos juízes do Tribunal Constitucional?

Naquele dia em que Marco António lhe sussurrou ao ouvido «ou tens eleições no país ou tens eleições no partido», Passos Coelho fez-se à estrada. Meteu Paulo Teixeira Pinto na gaveta. Desmontou a Plataforma Construir Ideias e apostou numa plataforma multinacional, onde as suas gentes apareceriam com identidades falsas: Poul Borges Thomsen, Rasmus Gaspar Rüffer e Juergen Barroso Kroeger. Os media, sobretudo os alimentados por off-shores, anunciaram a boa nova.

Passos Coelho entreviu um caminho sem escolhos. Num abrir e fechar de olhos, tomou a Assembleia da República e alçou-se a São Bento. O Presidente da República entregou-se. Criado um ambiente de Estado de sítio, tudo seria permitido.

Sabemos hoje que Passos Coelho descobriu tarde que não se desembaraçaria do Estado de direito com a facilidade com que havia trocado a Plataforma Construir Ideias pela troika. As suas considerações sobre os juízes do Tribunal Constitucional provam-no. Nas cristalinas palavras da deputada e vice-presidente laranja Teresa Leal Coelho, o Governo sente-se traído pelos juízes indicados para o Tribunal Constitucional pelo PSD, que «criaram [na bancada laranja] a ilusão de que tinham uma visão filosófico-política que seria compatível com aquilo que é o projecto reformista que temos para Portugal».

A direita insurge-se com o facto de os juízes terem apreciado as normas do Orçamento do Estado para 2014 à luz da Constituição da República e não de acordo com a «visão filosófico-política» de Passos. Estão sob fogo por terem resistido a fazer política.

Há no entanto um juiz que parece ter, entretanto, absorvido a «visão filosófico-política» de Passos. Trata-se de José da Cunha Barbosa. Indicado pelo PSD, tem assumido posições contraditórias em relação à redução dos salários dos trabalhadores em funções públicas, assim a modos de quem teve algumas dificuldades iniciais para assimilar a «visão filosófico-política» de Passos. Veja-se:

Cunha Barbosa votou vencido no Acórdão n.º 396/2011 (isto é, no sentido da inconstitucionalidade dos cortes na remuneração da função pública decretados em 2011). Eis duas passagens do seu voto de vencido
    «Tal redução remuneratória tem como escopo principal a satisfação dos encargos públicos (no caso, através da sua diminuição) [...]. Porém, tal objectivo, de manifesto alcance nacional, não pode deixar de integrar interesse público geral a prosseguir por todos os que se encontrem nas mesmas condições remuneratórias previstas nas normas em causa, que já não e tão só pelos que transportem a ‘mácula’ de exercício de funções em regime específico de função pública, sob pena de discriminação negativa, no mínimo, injusta»;

    «[…] sem embargo de se poder reconhecer que o interesse público geral, cuja definição compete ao legislador (à lei), justificará a medida adoptada, sempre restará por explicar a confinação dos seus encargos a um universo restrito ou especifico de pessoas, como seja, aos que exercem funções ou actividade em regime de função pública [...] interesse esse que, obviamente, não é específico dos que exercem funções públicas.»

No ano seguinte, Cunha Barbosa votou favoravelmente o Acórdão n.º 353/2012 (isto é, no sentido da inconstitucionalidade do corte dos subsídios da função pública). E foi ainda mais longe do que o decidido, contestando a limitação de efeitos da decisão para o futuro, ou seja, defendeu que as normas declaradas inconstitucionais não poderiam manter-se em vigor após a decisão do Tribunal Constitucional. Eis um extracto da sua declaração de voto:
    «Votei favoravelmente o acórdão, quanto à sua fundamentação e decisão, no que concerne à declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral [...] não acompanho a decisão na sua totalidade, por entender que a restrição temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade deveria verificar-se tão só até à sua publicitação […]».

O ano de 2013 marca uma viragem de 180º na posição de Cunha Barbosa, que votou vencido no Acórdão n.º 187/2013 (isto é, no sentido da não inconstitucionalidade do corte do subsídio de natal da função pública). Eis um extracto da declaração de voto conjunta subscrita, entre outros, por Cunha Barbosa:
    «A Constituição não veda, à partida, que se estabeleçam diferenças entre os cidadãos que percebem por verbas públicas e os outros [...]. Isso mesmo o reconheceu o Tribunal no Acórdão nº 396/2011.»

Em 2014, Cunha Barbosa confirma que a cambalhota de 2013 veio para ficar. O juiz votou vencido o Acórdão n.º 413/2014 (isto é, no sentido da não inconstitucionalidade dos cortes na remuneração da função pública). Eis um extracto do seu voto de vencido:
    «[O acórdão] impugna a razoabilidade da medida da diferença instituída por esse tratamento (igualdade proporcional).A “descoberta” dessa desrazoabilidade prende-se [...] com a medida do sacrifício exigido aos trabalhadores do setor público, que se qualifica de desproporcionada e excessiva. Discorda-se deste juízo […].»

É de presumir que o juiz em causa tenha superado um período de alguma desorientação, tendo acabado por absorver a sofisticada «visão filosófico-política» de Passos Coelho. Aparentemente, a esmagadora maioria dos juízes precisa de um curso de formação acelerada. Tendo dado formação a mil funcionários municipais para aeródromos que estavam fechados, que eram pistas perdidas ou que tinham um ou mesmo nenhum funcionário afecto, talvez a Tecnoforma possa ser reactivada para o efeito. Seria a cereja em cima do bolo.

segunda-feira, junho 02, 2014

O TC salva, o governo destrói


• João Galamba, O TC salva, o governo destrói:
    «(…) Imediatamente após a apresentação do orçamento do Estado, em Outubro de 2013, os indicadores económicos começaram a degradar-se. O crescimento (em cadeia) continuou positivo até ao final do ano, mas desacelerou fortemente. E, no 1º trimestre de 2014, aconteceu o óbvio: o PIB caiu -0.7%. A retoma foi possível quando a austeridade foi travada; a retoma desapareceu quando se voltou a insistir no caminho da austeridade.

    Ainda não sabemos os detalhes da austeridade que aí vem. Só sabemos que, com este governo e com as políticas que têm sido seguidas, o que aí vem não é seguramente o crescimento do PIB e do emprego. O TC pode proteger-nos de alguns excessos deste governo, mas não nos salva dele.»

terça-feira, fevereiro 18, 2014

“Algum relaxamento orçamental”¹

Hoje no Público

‘Diz o jornal Público que o governo só cortou 14% dos contratados a prazo no Estado, quando previa cortar 50%. Dito de outro modo, o Consumo Público ficou acima do esperado.

Como o PIB é igual à soma do Consumo Privado, do Investimento, do Consumo Público e da Procura Externa Liquida (exportações-importações)... é só fazer as contas.

Este "falhanço" do Governo, que resultou em menor austeridade que o previsto, beneficiou o PIB nacional, tornando-o um pouco mais elevado do que se previa inicialmente.’_______
¹ Expressão usada pelo Núcleo de Estudos de Conjuntura sobre a Economia Portuguesa (NECEP) da Universidade Católica.

sexta-feira, janeiro 31, 2014

Manigâncias com o perdão fiscal

A Miss Swaps (e o seu secretário de Estado do ex-partido dos contribuintes) até a troika engana. Que fez a espertalhona do Terreiro do Paço?

Uma parte significativa das receitas do perdão fiscal respeita a dívida em contencioso. Significa isto que a Fazenda Nacional recebeu e contabilizou receitas em 2013 que terá de devolver em 2014 (ou nos anos seguintes). Sabendo-se que, relativamente às dívidas em contencioso, o Estado só tem arrecadado, em média, pouco mais de metade do montante em litígio, vê-se a dimensão dos artifícios contabilísticos da Miss Swaps.

Mas há mais. Para empolar as receitas, os devedores que se socorreram da Internet para aderir ao perdão fiscal tiveram de pagar também os juros compensatórios, juros que são (e já estão a ser) reembolsados em 2014. A Miss Swaps faz parte do bando dos estarolas da São Caetano por direito próprio.

E o défice de 2013 é...


    ‘De acordo com relatório da UTAO, hoje publicado, o défice REAL de 2013 ficará em 5.6% do PIB, que é a mesma % com que o PS confrontou Maria Luís Albuquerque [vídeo], na sexta-feira passada, em audição na COFAP. Perante isto, das duas uma: ou a UTAO tem razão e estamos perante (mais) um descalabro orçamental, igual ou pior que em 2012; ou Maria Luís Albuquerque tem razão, o défice REAL ficará em 5.2%, cerca de 1000 milhões abaixo do esperado, e, então, não há qualquer justificação para aumentar contribuições para ADSE nem para qualquer "recalibragem" da CES.’

terça-feira, janeiro 28, 2014

O défice resiste à aritmética variável
(porque a austeridade se derrota a si própria)


O Governo brinca com as metodologias para apurar o défice orçamental. Mas faz mais: para além de se agarrar à metodologia que permite a contabilização de receitas extraordinárias (com que se comprometeu a não recorrer), o Governo permite-se ainda considerar algumas receitas, mas abstém-se de contemplar algumas despesas (v.g., varre para debaixo do tapete a injecção de capital no BANIF, mas inclui o valor pago em 2013 pela ANA).

Em todo o caso, o que conta para efeitos do Eurostat (e dos sacrossantos mercados) é o défice em contabilidade nacional. Depois de a ministra das Finanças ter primeiramente admitido, na Assembleia da República, que reduzira o défice real de 2013 em 500 milhões de euros, Miguel Frasquilho corrigiu o tiro da Miss Swaps, prevendo que a diminuição do défice em relação a 2012 poderá ter atingido cerca de mil milhões de euros, um valor que rondará cerca de 0,6% do PIB.

Temos, assim, que a evolução do défice orçamental, em termos de contabilidade nacional, é a seguinte (expurgadas as medidas extraordinárias):
    • 2011 – 7,1%;
    • 2012 – 5,8%;
    • 2013 – 5,2%.

Esta evolução do défice suscita duas questões:
    1.ª Apesar de as brutais medidas de austeridade terem retirado cerca de 24 mil milhões de euros à economia nos últimos três anos em aumentos de impostos e cortes nos salários e pensões, o défice orçamental não diminuiu mais do que seis mil milhões de euros, a dívida pública agravou-se, o PIB caiu mais de sete mil milhões de euros e foram destruídos mais de 450 mil empregos. As sucessivas doses de austeridade revelam não apenas que a austeridade não funciona como se derrota a si própria no propósito de atingir a consolidação orçamental.

    2.ª O ex-ministro das Finanças Vítor Gaspar considerou que o “incumprimento dos limites originais do programa para o défice e a dívida, em 2012 e 2013”, “minou” a sua “credibilidade enquanto ministro das Finanças”. Por isso, apresentou a demissão. A questão que se coloca é a de saber por que razão a situação que conduziu à demissão de Vítor Gaspar é agora servida em bandeja como um sucesso. O que mudou para que um ajustamento pífio seja comemorado com banda e foguetes?

O estado das finanças públicas

É muito esclarecedor o debate entre a Miss Swaps (e sua equipa) e João Galamba, na Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública da Assembleia da República:

sexta-feira, janeiro 24, 2014

E Frasquilho deu o tiro de misericórdia no défice ficcionado

Estou a seguir a audição da ministra das Finanças na Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública da Assembleia da República. Tendo em conta os dados transmitidos pela própria Miss Swaps, João Galamba concluiu que, em 2013, terá havido uma redução do défice orçamental de 0,3%, ou seja, dos 5,9% ocorridos em 2013 para 5,6% em 2013. Longe, muito longe dos 4,4% que a central de propaganda do Governo pôs esta semana a circular e que os media reproduziram alegremente.

Chegada a vez de o PSD tomar a palavra, Miguel Frasquilho saiu em defesa da Miss Swaps. Disse o deputado laranja que a consolidação das contas públicas estará muito longe da tragédia anunciada por João Galamba: a redução do défice situa-se em 0,6% e não em 0,3%. A ministra das Finanças aquiesceu. Por outras palavras, Frasquilho assegura que não se trata de um resultado catastrófico, mas apenas desastroso.

Assim sendo, a estimativa que apresentei aqui pode estar errada. Com efeito, atendendo a que o pacote de austeridade foi, em 2013, de 5,3 mil milhões de euros (a que há a deduzir cerca de mil milhões euros de cortes chumbados pelo Tribunal Constitucional), a relação entre os rendimentos sacados aos portugueses e a redução do défice é provavelmente mais brutal: por cada euro de diminuição do défice, terá sido necessário queimar perto de cinco euros — e não quatro euros, como previ ontem.

A austeridade é útil para empobrecer os portugueses (e baixar os custos salariais), mas não promove a consolidação orçamental.

quinta-feira, janeiro 23, 2014

A bazuca para matar moscas: por cada quatro euros
retirados aos portugueses, o défice reduziu-se um euro


Vítor Gaspar incluiu no Orçamento do Estado para 2013 um “enorme aumento de impostos”, mas a meio do ano, verificando que estava minada a sua “credibilidade enquanto Ministro das Finanças”, deu conta, através de uma carta, de que não tinha “alternativa senão assumir plenamente as responsabilidades que me cabem”. Abandonou o barco.

Esta foi a atitude assumida pelo antigo ministro das Finanças em resultado do “incumprimento dos limites originais do programa para o défice e a dívida”. Que aconteceu depois? Não vale a pena sequer falar da dívida.

Centremo-nos no défice. Sem contar com o facto de a meta do défice ter sido sucessivamente alargada para encaixar nas contas do Governo (primeiro, 3%; depois, 4,5%; e, finalmente, 5,5%), a direita anuncia com pompa (Marques Guedes, no briefing do Conselho de Ministros) e circunstância (Marco António, em conferência de imprensa) que o défice orçamental ficará abaixo da (última) meta acordada com a troika.

Como conseguiu o Governo esta proeza, mesmo levando em consideração o “enorme aumento de impostos” (mais 35,5% de IRS, mais 19% de IRC e mais 3,5% de IVA)? Por um lado, através das receitas do perdão fiscal (que a Direcção-geral do Orçamento se esqueceu de contabilizar como receita extraordinária, pelo que se presume que, a partir de agora, haverá um perdão fiscal anual); por outro lado, adoptando critérios contabilísticos de geometria variável, através dos quais não se contabiliza a injecção de capital no BANIF, mas a receita da concessão da ANA é escriturada.

Só as receitas extraordinárias da ANA (400 milhões de euros) e do perdão fiscal (1.300 milhões de euros) representam cerca de 1% do PIB. É só fazer as contas… para ver que o défice real para efeitos de contabilidade nacional (o que conta para o Eurostat) não autoriza a palhaçada festiva que o Governo está a fazer.

Ora, tendo em conta o pacote de austeridade previsto para 2013 (5,3 mil milhões de euros), a que há a deduzir os cortes chumbados do Tribunal Constitucional, pode concluir-se que, por cada quatro euros retirados aos portugueses, o défice reduziu-se um euro. É como quem quer matar uma mosca com uma bazuca, mas o Governo está disposto a prosseguir por esta via.

segunda-feira, novembro 25, 2013

Os “milagres económicos” que acabam embrulhados
nos orçamentos rectificativos


Porque é que o Governo de Passos & Portas é o campeão dos orçamentos rectificativos? Observe-se o cenário macroeconómico que acompanha os orçamentos do Estado de 2012 e 2013 e veja-se, por exemplo, se as receitas fiscais (por via de uma alucinada previsão de crescimento) e as despesas com as prestações sociais (com dotações sempre inferiores ao desemprego real) têm alguma correspondência com a realidade. Há necessidade de elaborar sucessivos orçamentos rectificativos porque os pressupostos em que assentam os orçamentos iniciais são uma fraude. Uma fraude para justificar os “milagres económicos” todos os anos anunciados.