domingo, junho 13, 2010

Leituras [4]

Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal, escreve sobre Comissões de Inquérito:
    Discute-se, hoje, se as "escutas" autorizadas no âmbito de um processo-crime podem ser utilizadas por uma comissão parlamentar de inquérito. É uma discussão jurídica interessante, que deve ser encarada como tal pelos juristas. Neste caso, o terreno do debate político não pode, por muito digno que seja, sobrepor-se a uma decisão conforme ao Direito, que é devida a todos os cidadãos.

    Digladiam-se, aqui, dois argumentos fundamentais. Por um lado, invoca-se o regime restritivo que a Constituição consagra em matéria de inviolabilidade das comunicações e ingerência nas comunicações. Por outro lado, referem-se os amplos poderes das comissões parlamentares de inquérito, que correspondem, em termos gerais, aos poderes de investigação das autoridades judiciais.

    A verdade, porém, é que as comissões parlamentares de inquérito não gozam (por força do artigo 13º, nº 1, da lei que aprovou o seu regime) dos poderes "reservados" pela Constituição às autoridades judiciais. Assim, importa averiguar se o legislador constitucional conferiu alguma competência reservada, ou seja, exclusiva, às autoridades judiciais no âmbito da ingerência nas comunicações.

    O artigo 34º, nº 4, da Constituição diz que "toda" a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação só pode ser autorizada nos casos previstos na lei em matéria de processo criminal. E o artigo 32º, nº 4, reserva aos juízes a competência para praticar os actos que se prendam directamente com os direitos fundamentais.

    O sentido destas normas é absolutamente claro. "Toda" a ingerência nas comunicações abrange intercepção, gravação e posterior utilização como meio de prova – com consequente acesso aos conteúdos. O que está em causa, claro está, é o direito à reserva da vida privada e só um juiz, mediante expressa previsão legal e no âmbito de um processo-crime, pode autorizar e validar estas operações.

    Por conseguinte, a utilização das "escutas" fora do processo criminal é proibida pela Constituição, pois também consubstancia uma ingerência extra-processual: viabiliza o acesso às conversações e potencia a sua divulgação. Ora, o princípio constitucional é, em termos literais, da "inviolabilidade" das comunicações e esse princípio apenas pode ser posto em causa pela investigação criminal.

    Só uma analogia entre comissões parlamentares de inquérito e autoridades judiciais permitiria outra resposta. Mas as restrições de direitos fundamentais não podem ser autorizadas por analogia e é o próprio legislador que restringe os poderes das comissões. E se não o fizesse, violaria o princípio da separação e interdependência de poderes, que constitui corolário do Estado de Direito democrático.

7 comentários :

Anónimo disse...

http://diariodigital.sapo.pt/dinheiro_digital/news.asp?section_id=6&id_news=138831

MAIS UM FIO SOLTO...

Anónimo disse...

Face ao que diz a Professora Catedratica, Fernanda Palma, o Pacheco Pereira está de malas aviadas para se sentar no banco do réu!
Áh, Áh Áh...
O gozo que me vai dar.

José Sócrates disse...

Atentem neste fantástico texto, chama-se «Teste do Filtro Triplo»:

http://recantodasletras.uol.com.br/mensagens/21011

Anónimo disse...

Ainda bem que aparece alguém que, com aparente simplicidade, explica com clareza o que significa a expressão "toda a ingerência"!!!
Também me parecia, como referi em comentário a uma interpretação algo rebuscada da Isabel Moreira, o significado da expressão, só podia ser o que é dado pela Professora!!! A isto denomina-se em boa hermenêutica jurídica, reconstituir a partir do texto o pensamento legislativo!!!

Anónimo disse...

Todo este raciocinio da professora seria para levar a sério, não fosse o caso de não estarmos a viver, de facto, num Estado de Direito, como afiançou o euro-deputado Rangel. Ele sabia do que falava. O País parece estar sequestrado por uma clic presidencial conluiada com um grupo de magistrados e professores de Direito.
Processar Pacheco? Dá vontade de rir! Mandar investigar os magistrados de Aveiro por escutas ilegais ao PM? Dá vontade de rir. Sócrates evitou fazer frente a toda esta gente, que era exactamente o que se pretendia: colocar o PM em conflito aberto com a Justiça. Preferiu fazer figura de parvo e aturar o impensável por parte de gente que perdeu completamente a dignidade.
Não sei como é que isto vai acabar, mas uma coisa eu sei: Sócrates tem sido ou muitissimo inteligente ou muitissimo bem aconselhado. Deixou-os a falar sozinhos e aguentou firme a tortura da sacanagem. Já só falta, literalmente, cagar-lhe em cima.
E como não o destruiram com Freeports e Faces Ocultas, resta afirmar alto e bom som que o País foi conduzido ao abismo de uma «situação insustentável»! falta a dissolução da AR.
Mas o povo diz: «Deus não dorme».

Anónimo disse...

Anónimo das 06:36:00.
Concordo!O Sócrates, tem aguentado estoicamente, e acaba por desacreditar quem o responsabiliza.

MFerrer disse...

Estes dois anónimos são os representantes da famosa metáfora relativa às pérolas e aos bácoros.
Ubs e outros existem. Os seus representantes também!
Salvé os que servem alegremente de criados de libré...