- ‘(…) as perspectivas neoliberais estão muito longe de propugnar uma redução da intervenção penal. Reclamam até, pelo contrário, um papel mais intenso do Direito Penal na defesa da iniciativa privada, da livre concorrência e da igualdade de tratamento no mercado, propondo a criação de novas incriminações em situações em que não está directamente em causa o interesse público.
O paradoxo destes novos "crimes de mercado" é que a crença na "mão invisível" de que falava Adam Smith não dispensa uma mão visível que imponha sanções administrativas ou até mesmo penais. O sistema penal torna-se, assim, refém de uma lógica que não é a sua. O Direito Penal moderno tem como valores matriciais a protecção da liberdade, da integridade e da dignidade humana e social da pessoa.
Em vez de se tornar um direito sancionatório dos negócios, hipotecando a sua matriz ético-social, o Direito Penal deve escolher outro caminho, identificando novas formas de exploração e aniquilamento da personalidade. É necessário proteger as pessoas contra os poderes excessivos dos mercados e contra as empresas que recorrem a deslocalizações sucessivas em nome do lucro.
Devemos contrariar a tentação – em que incorrem políticos mas também alguns penalistas – de pensar o Direito Penal como mais um elemento da engrenagem que faz funcionar a economia de mercado. Nos Estados de Direito democráticos, que assentam no reconhecimento da essencial e igual dignidade da pessoa, os valores jurídico-penais têm um cunho liberal, mas não no sentido económico.
Não é o Direito Penal que tem de se "modernizar", subvertendo a sua escala de valores. Essa escala continua a valer, no essencial, importando apenas identificar novas formas de ofensa e agressão aos bens protegidos. As novas formas de organização da sociedade e de regulação da economia, impostas pela crise que atinge a Europa e o Mundo, essas sim, é que têm de atingir o plano jurídico.’
1 comentário :
Não só o neoliberalismo mas tb o esquerdismo. É mais uma curiosa confluência de propósitos.
Enviar um comentário