quinta-feira, setembro 13, 2012

Um pingo doce sobre a ditadura de Salazar

• Manuel Loff, As formas e o fundo de uma polémica [hoje no Público]:
    ‘Por mais que os co-autores da História de Portugal assegurem que "membros qualificados da universidade e da vida cultural portuguesa (...) nunca puseram em causa o rigor do trabalho" (Sá&Monteiro, PÚBLICO, 4.9.12), não podem ignorar que o trabalho de RR nessa obra tem sido objeto de debate e de críticas muito diretas - de que, aliás, esta polémica não é mais que a sua emergência mais pública. Antes de mais, elas têm a ver com o facto de se tratar de, como lhe chama DRC [Diogo Ramada Curto] (eu diria que de forma eufemística, mas sou eu que o digo!), "uma obra de síntese - que tem de ser feita a partir de trabalhos em segunda-mão, muitas vezes sem a consulta de fontes primárias, mas com a ambição de lançar explicações de conjunto" (PÚBLICO, 8.9.12). É acima de tudo na construção dessas explicações de conjunto que se percebe (e reitero-o) a manipulação que RR faz da história da ditadura salazarista. A sua opção por proceder a sucessivas comparações, essas sim descontextualizadoras (termo que se me quis aplicar), constitui um modelo de inteligibilidade da história absolutamente duvidoso: o "terror" republicano pior do que a "opressão" salazarista; o antijesuitismo republicano e o anti-semitismo nazi; a monarquia constitucional e o sistema político salazarista; "sistemas de poder pessoal" como o gaullista em paralelo com o salazarista (p. 669), ou "monopólios de um partido, como [a Democracia-Cristã] em Itália e [a Social-Democracia] na Suécia" (p. 669) com o do partido único no Estado Novo, ou os "constrangimentos policiais" na Grã-Bretanha dos anos 1970 com a repressão marcelista... Esta pode ser uma "História global, compacta e homogénea", como lhe chama Barreto; o que ela não é é rigorosa! Poucos prestaram atenção ao contributo que João P. Avelãs Nunes trouxe a este debate, distinguindo "negacionismo" de "revisionismo". Não se disse aqui que RR negou a ditadura salazarista: o que eu escrevi é que ele desmonta a sua natureza, banalizando-a, fazendo com que se confunda com experiências históricas que lhe são absolutamente estranhas. Ele não negou a existência da PIDE, por exemplo; ele disse que ela matou menos que os republicanos e até que "a Itália democrática de 1948-62" (p. 652). E, além disso, em alguns casos há, efetivamente, pura negação: "não houve saneamentos gerais de funcionários" (p. 653), "o recrutamento" de soldados para a Guerra Colonial "nunca foi um problema" (p. 684). Ou há pura especulação, que contraria o que diz a investigação (e a memória): "a guerra [colonial] foi aceite" pelos portugueses (p. 685).

    É isto, portanto, o produto da "serenidade académica" com que [António] Barreto vê terem sido "finalmente tratados" os "regimes políticos [portugueses] modernos e contemporâneos"? (…)’

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