A presente crise não teve origem nos "exageros" do Estado social, mas sim nas tropelias especulativas do capital financeiro

• Rui Pereira, Sem ligação:

‘"Sibi imputet, si, quod saepius cogitare poterat et evitare, non fecit". Que me desculpem os leitores, mas esta frase latina do Código Justiniano cai como uma luva no Governo. Traduzindo: o Governo só se deve culpar a si próprio por não ter feito algo que poderia ter previsto e evitado. A presente crise não teve origem nos "exageros" do Estado social, mas sim nas tropelias especulativas do capital financeiro. Responder-lhe com políticas liberais equivale a regar o fogo com gasolina. Só a aposta no crescimento pode resgatar Portugal.

O Governo não se pode queixar da oposição. Desgastado por seis anos de governação, o PS adoptou um registo sóbrio. Assumiu a herança do acordo com a troika (de que não é mais culpado do que os partidos da coligação, dada a rejeição do PEC 4), absteve-se na votação do último orçamento e nunca reivindicou a queda do Governo ou eleições antecipadas. A sua atitude quanto à TSU e ao agravamento fiscal foi forçada, para não ser substituído na oposição pelos adeptos da maioria que clamam contra o "assalto à mão armada" e o "napalm fiscal".

Nem sequer a rua tem sido grande obstáculo à acção governativa. Mesmo depois de ser apresentada a proposta de transferência dos encargos da segurança social dos empregadores para os trabalhadores, assistimos, em regra, a manifestações pacíficas e disciplinadas, que contrastam vivamente com as ondas de caos e violência na Grécia ou em Espanha. As greves têm sido espaçadas e o Tribunal Constitucional, apesar de não ter desistido de declarar a iniquidade dos cortes que atingiram os funcionários e pensionistas, salvaguardou os seus efeitos financeiros.’