Governados pelo desprezo

• Helena Garrido, Governados pelo desprezo:

‘Não aconteceu. Mas vamos imaginar. Era uma vez uma grande empresa. O seu presidente anunciou, em circuito interno de televisão, que ia cortar milhões de euros na folha salarial. Nem todos os colaboradores da empresa seriam envolvidos. Mas quantos são? Pergunta-se. A resposta é incoerente. Passados dias continua sem se saber quantas pessoas serão afectadas.

Aconteceu em alguma empresa? Não. Mas acontece com o Governo de Portugal. Foi assim que, na prática, o Governo anunciou os cortes em pensões de reforma (a nova CES) que substituem os cortes nas pensões dos funcionários públicos, que os juízes do palácio Ratton consideraram inconstitucional.

O Governo toma medidas que podem afectar os rendimentos de milhões de pessoas. São 3,1 milhões de pensionistas. O mínimo que se exige é que se prepare antes de comunicar essas medidas.

No dia em que se conheceram os contornos da nova CES descobriu-se que o Governo não sabia quantas mais pessoas iam sofrer uma redução na sua pensão. A ministra das Finanças diz, nesse dia, que serão mais 79 mil pensionistas. Feitas as contas, economistas e jornalistas concluem que não pode ser um número tão reduzido. Mais tarde, o Governo acaba por dizer que afinal são 140 mil, incluindo pensionistas da CGA e da segurança social. Mas, claro, sem certezas.

Neste momento ainda não sabemos, com todo o rigor, quantas pessoas vão este ano receber uma pensão inferior à que levavam para casa o ano passado. Temos uma ideia da poupança em despesa pública que a nova CES vai gerar, mas oficialmente não se sabe quantas pessoas mais serão abrangidas.

Porque é que os ministros das Finanças e do Trabalho e da Solidariedade se apresentam perante os cidadãos porque é disso que se trata quando estão em frente das câmaras de televisão - sem se terem preparado para dizer o que vai acontecer às pensões, quantas pessoas mais vão ser abrangidas e porque é que se tem de lhes cortar no rendimento? (...)’