- «A reforma do Estado começa por ser um mito. Assim a tratam as pessoas que, depois de uma qualquer catilinária contra qualquer política, rematam invariavelmente que o que se devia fazer era reformar o Estado. Como biombo para a falta de ideias, rivaliza com outras bandeiras populares, como mudar a maneira de fazer política ou combater a corrupção.
Mas também quer dizer coisa mais séria. Na parte compreensível do guião preparado pelo vice-primeiro-ministro, é o programa político de redução das funções e peso do Estado (emagrecendo-o ou desmantelando-o, os leitores escolherão a seu gosto). O pressuposto é que o Estado gere mal e o encargo que representa para os cidadãos impede-os de usar formas mais eficientes de consumo e aforro. Assim, quanto mais confinado estivesse o Estado ao papel de garante, deixando aos mercados a provisão dos bens sociais, melhor seria. É a teoria do Estado mínimo, ou do Estado-garantia (para os seus adversários, Estado assistencialista).
São três as consequências práticas. Uma é a concentração da ação do Estado na soberania (por exemplo, a segurança) e no fomento (por exemplo, o apoio fiscal ao investimento privado). Outra é a redução das funções sociais ao mínimo possível, isto é, à proteção dos grupos ou à prevenção das situações mais vulneráveis (daí o labéu de assistencialismo). A última é a participação ativa do Estado na expansão dos mercados privados nas áreas da segurança social, da saúde, da educação e dos transportes, através de mecanismos como o plafonamento contributivo, o tratamento fiscal favorável do segundo e terceiro pilares do sistema de pensões, a substituição da lógica do serviço nacional de saúde pela lógica de um seguro público de saúde, o cheque-ensino, ou os modos de concessão de transportes e outros serviços públicos que garantem sempre um certo nível de rentabilidade aos concessionários.
Não surpreende, pois, que, algumas reformas que se orientaram por esta ideologia tivessem provocado aumento (leu bem: aumento) da despesa pública. Basta pensar nos custos de transição, na previdência, da repartição para a capitalização, ou no montante adicional de financiamento que exigiria o cheque-ensino, isto é, o financiamento das famílias independentemente de os seus filhos frequentarem o ensino público ou o privado. Mas também se deve ter em mente que, em regra, esta ideologia do Estado mínimo nas funções sociais anda associada à do Estado máximo nas funções de soberania. E, portanto, como o caso norte-americano tão bem demonstra, a mesma administração que se mostra avara na despesa social pode não poupar meios nas despesas de segurança e vigilância, ou na fiscalidade "amiga" do património e riqueza.
- O ponto principal não reside, porém, aqui. Os programas de reforma do Estado por minimização dos serviços públicos e das funções sociais fazem-nos correr riscos ainda mais graves.
O primeiro é a deslegitimação democrática. Especialmente agudo na Europa, onde a integração das pessoas de todas as condições em sistemas comuns (a cidadania democrática, as instituições políticas, o Estado social) foi a linha condutora do pós-guerra.
O segundo risco é a degradação irreversível dos serviços públicos que restem, isto é, aqueles que garantem os mínimos sociais, isto é, aqueles cujos clientes serão cada vez mais apenas as classes pobres.
O terceiro é o agravamento do risco moral para o Estado. Quando os sistemas privados (de pensões, de depósitos, de seguros, de transportes...) colapsam, é o Estado que tem de intervir. Mas agora depois do mal consumado e enfraquecido na capacidade de regulação e ação.
Quer isto dizer que não se deve reformar o Estado? Claro que não. E, se nenhuma urgência se interpuser, cuidarei do assunto na próxima semana. Aceitem, contudo, caros leitores, este conselho: quando ouvirem grandes trombetas anunciando a "reforma do Estado", ponham-se em guarda; é bem capaz de vir aí um golpe baixo.»
3 comentários :
Fala-se da reformada do estado - sempre, quem não quer fazer nada - querem viver à conta do Estado - é o caso deste (des)governo - Acham que o ppCoelho seja licenciado em Economia?
Zé da Adega
Excelente análise de Augusto Santos Silva.
"Reforma do estado" é código para entregar aos grandes grupos capitalistas e familias fascistas os negócios que restam sem competição neste país ( sem competição que é como os "empresários" portugueses gostam ) : saúde, pensões, educação e transportes.
Vais ser uma FESTA para as seguradoras.
Quando é que os idiotas que defendem menos estado vão perceber que vão continuar a pagar o que pagavam antes em impostos , só que desta vez para seguradoras que, se falirem, não vos devolvem cheta nem vos prestam o serviço acordado!
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