quinta-feira, julho 31, 2014

«Uma réplica moderna do "baraço e do pregão" medievais»

• Rui Pereira, Deter e interrogar [hoje no Correio da Manha]:
    «O caso BES tem suscitado questões jurídicas, económicas e políticas às quais ainda não foi possível dar respostas conclusivas. Onde está o dinheiro "desaparecido"? Que crimes terão sido cometidos e que penas lhes correspondem? Quais as consequências do caso na economia e nas finanças públicas do País? Todavia, sem desvalorizar estas questões fulcrais, há outra pergunta que tem sido formulada na comunicação social e a que também importa responder: como se justifica que Ricardo Salgado tenha sido detido, interrogado e logo a seguir libertado?

    Pode alguém ser detido "só" para ser apresentado perante um juiz de instrução? A resposta da Constituição e do Código de Processo Penal é clara. Fora de flagrante delito, a detenção pode ser efetuada quando houver razões para crer que a pessoa em causa se não apresentaria voluntariamente, for necessário proteger a vítima ou houver perigo de fuga, perturbação do inquérito, continuação da atividade criminosa ou grave perturbação da ordem pública. A detenção de Ricardo Salgado tem de se fundamentar numa - ou em várias - destas circunstâncias.

    Ignorando o conteúdo do processo (que, compreensivelmente, está sujeito a segredo de justiça), temos de conjeturar que a detenção poderá relacionar-se com o receio de que o ex-Presidente do BES se não apresentasse espontaneamente, pudesse prejudicar a atividade probatória ou se eximisse à realização de ;ustiça. Neste ponto, já não é a lei escrita que está em causa. Está em jogo, antes, a leitura dos factos feita pelo juiz de instrução e pelo Ministério Público. Porém, a maior dúvida resulta de o arguido ter sido libertado após o interrogatório.

    Se Ricardo Salgado foi detido devido ao perigo de fuga ou de destruição de provas, concluiu-se, após o interrogatório, que tal perigo se dissipou. Por causa da caução? Por causa da proibição de abandonar o País ? Por causa da proibição de contactos? Por tudo isso ou por uma reavaliação do processo, que levou a concluir pela desnecessidade da prisão preventiva?

    A única conceção inconstitucional seria a que visse na detenção fugaz do arguido um meio de estabilizar as emoções sociais, ou seja, uma réplica moderna do "baraço e do pregão" medievais.»

1 comentário :

Anónimo disse...

Atirar areia aos olhos do portugas para que pensem que a 'justiça' funciona tão bem que até detem os ricos e poderosos!HIPOCRISIA da mais pura.