quinta-feira, março 02, 2006

À conversa sobre a avaliação da “categoria intelectual”

O comentador Mocho Vigilante disse:

    Os argumentos que tem vindo a apresentar como justificação da sua raiva contra a Magistratura Judicial não mostram senão a sua total ausência de fundamento.

    Em primeiro lugar, concordo com o que o Dr. Timóteo Pereira diz sobre a avaliação dos juízes por membros da Administração Pública.Constituirá definitivamente uma violação do princípio da separação dos poderes, uma vez que a Admnistração Pública, enquanto encarregue do poder executivo - logo um órgão necessariamente politizado e vinculado às maiorias do momento - examinará a actividade de um poder ao qual é totalmente alheio, o Judicial! Já agora, ponhamos os mesmos inspectores a examinar a qualidade legislativa dos projectos apresentados pelos deputados, principalmente da oposição! O que o Governo pretende e V/ Exª permite é a politização e governamentalização da Magistratura! Abrir as portas à influência do poder político sobre a magistratura é um atentado aos nossos direitos, liberdades e garantias!

    Em segundo lugar, o sistema actual de avaliação dos juízes corresponde àquele vigente nos Estados de Direito mais avançados. Cito, a título de exemplo, a Alemanha, onde as experiências passadas de influência do poder político sobre o judicial por via de avaliações - todos sabem a que me refiro - levou a que a independência do poder judicial fosse levada a níveis ainda mais rigorosos do que os vigentes em Portugal. Tanto a nível da Constituição Federal como dos estados federados (veja-se a novíssima Constituição da Baixa-Saxónia) a avaliação dos juízes apenas pode ser feita por juízes, por forma a guarantir ao máximo o afastamento do poder judicial dos demais poderes!

    Em terceiro lugar, diz correctamente que 96% dos juízes tiveram uma classificação de Bom ou Muito Bom. Mas 4% não tiveram!; e todos os anos diversos juízes são compulsivamente reformados ou convidados a sair a fim de preservar ao máximo a dignidade e a qualidade ciêntífica e humana no exercício da profissão. Pergunto-lhe se nos médicos, professores e demais funcionários públicos tem uma taxa tão elevada de aposentações compulsivas e convites a sair?

    Temos que compreender o seguinte: estas medidas populistas e os supostos benefícios excessivos dos juízes são fogo de vista por forma a tapar uma estratégia que este Governo tem seguido e que muitos pretenderam sem sucesso: politizar a Magistratura! Ter influência sobre quem julga os processos por via de colocações, progressões na carreira e vencimentos! Pois uma Magistratura independente é a maior ameaça a um político! Ou já se esqueceram todos que foi Sócrates quem quebrou uma tradição de dezenas de anos ao nomear para a presidência do Tribunal de Contas um não-magistrado que por acaso é deputado socialista e foi Ministro das Finanças de Guterres?
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    Qua Mar 01, 03:18:17 PM


Caro Mocho (Vigilante):

1. Se der uma vista de olhos, verificará que são inúmeros os lóbis e as corporações a que vimos fazendo alusão. E ainda a procissão vai no adro. Concluir que há da nossa parte “raiva contra a Magistratura Judicial” parece um juízo de parte interessada.

2. Relativamente ao que escreveu Joel Timóteo Ramos Pereira, é bom relembrar o que se passou. Um jornal, o Correio da Manhã, que nem sempre prima pelo rigor, incluiu os juízes entre os corpos especiais que passariam a ser objecto de avaliação de acordo com os critérios definidos para a administração pública. Um disparate que nenhum outro jornal cometeu. Joel Timóteo Ramos Pereira redige então um longo post em defesa da independência dos tribunais, copiando, no essencial, vários artigos do Regulamento das Inspecções Judiciais para justificar que os juízes já são sujeitos a uma apertada avaliação. Mas quem é que, a não ser o jornalista do Correio da Manhã, mencionou que os juízes seriam avaliados por “membros da Administração Publica”?

3. Sobre a avaliação dos magistrados, leia os nossos posts.

4. A sua conclusão é duplamente precipitada. Acena com fantasmas. E exemplifica com uma situação que só existe na sua cabeça: “já se esqueceram todos que foi Sócrates quem quebrou uma tradição de dezenas de anos ao nomear para a presidência do Tribunal de Contas um não-magistrado”. A maioria dos presidentes do Tribunal de Contas português não é da carreira judicial, um pouco à imagem do que se verifica em França, que sempre nos serviu de modelo (desde os tempos napoleónicos). Sousa Franco, por exemplo, que foi nomeado por Cavaco Silva, não era magistrado. Gonçalves Rapazote, que foi igualmente presidente do Tribunal de Contas, foi conhecido por muita coisa, menos por ser magistrado. Que tradição de dezenas de anos é que foi quebrada?

Redobre a vigilância, Mocho Vigilante.

Miguel




Um comentador anónimo disse:


    A questão que o MAbrantes aqui aflora tem todo o interesse.

    O problema é que o post já vem enviesado pela mão de quem o escreve.

    Criticar o sistema de inspecções de juízes é muito fácil e aquilo que o MAbrantes aponta é verdade factual, mas peca no ponto essencial:

    Deve ou não ser avaliada a "capacidade intelectual"?
    Se deve, o critério tem de vir definido, com precisão. Mas por outro lado, não pode.

    Como bem diz o MAbrantes, não se avalia a capacidade através de elementos aleatórios ou palpites que entram através de espírito santo de orelha, ou por aí se emprenham.

    De resto, bastaria um pequeno exemplo para que os juízes que aqui vêm, perceberem o que quero também dizer, concordando em parte com o autor do post:

    Um dos inspectores da classe, até há bem pouco tempo, era o inefável transmontano Custódio Montes. O mesmo que há pouco tempo escreveu uma carta aberta a Vital Moreira, para o acusar de andar sempre a acusar os magistrados de serem malandros. Nessa carta que ainda andará por um blog (Verbo Jurídico?! O Meu monte?) dá-se conta da personalidade do então inspector e actual Conselheiro do STJ que saltou mais de sessenta lugares para se sentar à direita, no Olimpo dos juízes.
    Vital Moreira apelidou-o de "indigno" e esse foi um mimo pequeno em relação ao que pensaria dessa carta...

    Agora pergunta-se:

    Que categoria intelectual tem um Custódio Montes (e só cito o nome porque é público que foi inspector e é público que escreveu essa carta) para avaliar a categoria de outros com o rigor, isenção e imparcialidade necessários numa inspecção?
    Certamente que a terá e não duvido da capacidade intelectual de Custódio Montes. Mas teria o estofo necessário a um bom papel como inspector, nos itens referidos?!

    Acho que o MAbrantes neste post, tem muita razão de fundo.

    É pena que a perca na forma como a invoca e principalmente no modo como aborda o problema que tem sempre a ver com o mesmo assunto:
    Obsessão com a magistratura!

    Aposto que até vai dar destaque a este comentário anónimo...assim que tiver tempo livre que é logo mais à tardinha...


    Qua Mar 01, 03:45:20 PM






Outro comentador anónimo questionou o leitor anterior:


    Do que o RIJ fala é de "categoria intelectual" e não de "capacidade intelectual"... Faz toda a diferença.”

    Qua Mar 01, 03:46:45 PM






O leitor questionado respondeu:


    Tem razão. Faz toda a diferença, mas para pior.

    É que se torna mais difícil avaliar categorias do que capacidades...
    Sendo certo que para definir uma categoria intelectual e aferir uma valoração, será sempre necessário avaliar uma capacidade também intelectual.

    Os exemplos que se poderiam dar acerca de casos concretos, tornar-se-iam patéticos se fossem colocados online.

    Lembro por exemplo, o caso de um juiz que foi inspeccionado numa determinada altura da carreira, sendo classificado de Muito BOm e com distinções retóricas impressionantes. Chegou a dizer-se que esse juiz dominava o "direito penal total".

    Passados dois ou três anos, não só deixou de dominar totalmente esse direito como acabou na reforma compulsiva. Motivo?! Crime de lesa majestadade. Declarou numa entrevista que se o fossem inspeccionar onde se encontrava, prenderia o inspector, por entender que estando num tribunal administrativo e fiscal o CSM não teria competência para tal.

    Parece-me que foi esse o facto essencial,( para além de outros que revelavam a especial idiosssincrasia desse juiz) para passar de bestial a besta num instante que dura o intervalo entre duas inspecções.

    O que quero realçar é que o sistema de inspecção de juizes ( e também do MP, parece-me), não funciona bem e é preciso dizê-lo, porque é um dos aspectos mais escondidos do problema da justiça.


    Qua Mar 01, 04:39:39 PM

11 comentários :

Anónimo disse...

Caro Dr. Miguel Abrantes

Gostaria de lhe apresentar o meu inteiro reconhecimento pela publicação do meu comentário e da resposta que lhe dedicou. A elevada frequência deste blog e os comentários frequentemente inflamados que suscita têm, pelo menos, a grande virtude de suscitar a discussão sobre uma realidade portuguesa. Permita-me, todavia, apresentar réplica em relação aos comentários que elaborou:

a) é verdade que tem vindo a dedicar posts a outras corporações que não a judicial. Todavia, uma simples comparação numérica do número de posts sobre magistrados sobre o total dos posts revela que tem uma prelecção por esta corporação. E posso assegurar-lhe que não sou parte interessada, pois não exerço funções judiciais. Reitero, porém, que existe uma ausência no seu debate sobre o estado da Justiça que desde há muito me tem erguido interrogações, que é a da Ordem dos Advogados! Para quando um post sobre a ilustre OA? Ou será V/ Exª parte interessada?

b) o equívoco do Correio da Manhã não retira validade ao que disse nem, muito menos, ao que o Dr. Joel Timóteo Pereira disse. Os posts inflamados que se desenrolaram, criticando a avaliação dos juízes e exigindo a intervenção de entidades externas à Magistratura, revelam o quão manipulável a opinião pública é, sobretudo quando se trata de chamar incompetentes aos outros! A intervenção do Dr. Timóteo Pereira, à qual tive a ousadia de aderir, procurou somente alertar para os perigos e problemas de índole constitucional inerentes a essa lógica. Se houve equívoco da minha parte, sinto-me injustiçado da sua. Por outro lado, reafirmo que o modelo de avaliação de juízes corresponde àquele vigente nos mais avançados Estados de Direito.

c) Não consegui encontrar uma lista detalhada dos presidentes do Tribunal de Contas, pelo que, apesar de não aceitar a sua crítica, não reafirmo a minha crítica. Todavia, mesmo que seja verdade, o exemplo de Sousa Franco revela que a Presidência do Tribunal de Contas foi sempre ocupada por entidades independentes, o que não ocorre com Oliveira Martins, que exerceu funções ministeriais no mesmo governo de Guterres do qual José Sócrates fazia igualmente parte, enquanto Ministro do Ambiente.

Anónimo disse...

Obrigado, MAbrantes! Tenho finalmente direito aos meus 15 minutos de fama, como anónimo comentador...

É pena que sobre inspecções judiciais ( e do MP) não consiga elaborar muito mais do que isso que escreveu, porque muito mais haveria a dizer.

Mas se o assunto pegar, prometo que lhe remeto mais alguns comentários em anónimo sigiloso e sem ofender ninguém, sobre o tema.

De resto, junta-se a fome com a vontade de comer. V. tem fome de castigar os magistrados por causa de algum trauma de infância profissional ou seja lá o que for.
Eu, por mim, tenho vontade de comer alguns nacos de prosa bem escrita que por aqui possam aparecer sobre o tema. Não os seus que já sei que sabem a ressabianço, mas os de outros que possam aparecer.
O que duvido, aliás.

Anónimo disse...

O Prof Sousa Franco, foi uma personagem independente?

Não foi presidente do PSD e seu deputado?

E chama-se a isso independencia.

ja agora faço um copy past do seguinte:

"O que o Governo pretende e V/ Exª permite é a politização e governamentalização da Magistratura! Abrir as portas à influência do poder político sobre a magistratura é um atentado aos nossos direitos, liberdades e garantias!"

Então os sindicatos Judiciais, não são, só por si um, acto de cariz politico? não conheço nenhum sindicato que não seja politico.

O debate esta a elevar-se, fico agradado com isso

Anónimo disse...

Aproveito para uma noticia do C.M., sobre Oeiras e o Isatino Morais

http://www.correiomanha.pt/canal.asp?idCanal=90&t=1

Salários mais baixos na OEIRAS VIVA.

Ora numa empresa municipal que dá prejuízo, a anterior administradora ganhava perto de 1,200 contos mensais.

lendo a noticia, vejo assim o desbaratemento dos nossos impostos. Como Oeiras havera muitas outras.

O MAbrantes sabe, mesmo como anonimo, que o aprecio, por meter a "mão na ferida" num País que vive acima das suas possibilidades.

Mas tambem lhe digo, se uma administrador (a), com uma formação basica, ganha 1,200 contos mês, então considero que um Juíz ganha mal, alías nunca estive contra o que ganha um (a) Magistrado (a), mas sim contra a sua eficacia e são eles os responsaveis pela demorosidade da aplicação da justiça e na aplicação das leis, algumas delas absurdas, como seja, um cidadão estar em prisão preventiva durante n meses, sem saber do que esta a ser acusado.

Este é que é o problema

Anónimo disse...

Caro "Miguel", agora que lê e estuda os comentários, sem os desapreciar e minimizar primeiro, isto está a ficar melhor...

É pena que a sua inteligência e conhecimentos (profundos em muitas áreas) lhe dê para criticar sempre os mesmos e continue a esconder-se por detrás de um nome oco e gasto...

Quando o "Miguel" começar a ver as podridões que afectam os dois partidos do regimen (no PSD já lobrigou, curiosamente...) então o que está para trás poderá ser esquecido e este Blog tornar-se-á aquilo que inicialmente prometeu ser (para se tornar depois num instrumento do Governo PS contra alguns grupos).

Anónimo disse...

Um comentador anónimo disse:

os magistrados "..são eles os responsaveis pela demorosidade da aplicação da justiça e na aplicação das leis, algumas delas absurdas...".

E que hão-de os magistrados fazer? Inventar leis ou expedientes? Ignorar as leis e fazer como lhes aprouver? Se não está contente com a qualidade das leis vote noutros partidos, que a missão dos magistrados é tão só aplicá-las! Quando não se pode chegar ao autor da mensagem mata-se o mensageiro!

Anónimo disse...

Caro Miguel Abrantes.

Já se percebeu que este não é o seu nome verdadeiro.
Já se percebeu que tem fortes ligações ao PS (militante? dirigente?)
Já se percebeu que é jurista, com ligações à Ordem dos Advogados (advogado? dirigente da OA?)
Já se percebeu que nutre uma forte simpatia pelos jornalistas (já exerceu?).
Estou-me nas tintas para saber quem é o Miguel Abrantes.
Apenas elenco este currículo para que perceba que ESTÁ A SER FACCIOSO, ao ponto de, por exclusão de partes, ir comprometendo o seu precioso anonimato.

Aquele amplexo.

Anónimo disse...

Depois de ler
"a avaliação dos juízes apenas pode ser feita por juízes, por forma a guarantir ao máximo o afastamento do poder judicial dos demais poderes!", parei de ler, porque podia rebentar de tanto rir!!!

Anónimo disse...

Caro Pedro Sousa:

Melhor, melhor, era o Major, o Pedrosa Senior, o Pedrosa Junior, a Fatinha, o Avelino e aquele senhor de Oeiras a avaliarem os Juizes...

Por decoro, excluí o "Miguel Abrantes".

Anónimo disse...

Sobre o meu comentario da morosidade da justiça e das leis absurdas, alguem me aconselhou a votar noutro partido?

Não sabe se voto, mas esta bem, faça, então, o obsequio, de dizer qual

Anónimo disse...

"alguem me aconselhou a votar noutro partido?"

O "Miguel" aconselhava-te, mas não pode falar de política aqui e ainda há a questão do decoro...