'Dúvidas houvesse sobre a politização da justiça e bastava ler o noticiário dos últimos dois meses para se perceber como é sólida e estabelecida a relação entre os mais altos cargos no sistema judicial, em particular na Procuradoria, e o poder politico. Não é mau que assim seja no sistema democrático, quando tudo é feito às claras e se sabe quem manda e o quê e todos prestam contas dos resultados da sua acção. Em certos países, como os EUA, muitos “agentes da justiça” são eleitos directamente e isso dá-lhes legitimidade própria, noutros há uma clara delegação de poderes a partir de uma fonte legitimada pelo voto. O exercício da justiça deve ser independente, mas a sua génese só pode ser a lei e a vontade popular, ou seja, a política democrática.
Em Portugal, o sistema que impera inclui doses de hipocrisia consideráveis, com grandes retóricas e grandes palavras sobre a “independência” do sistema judicial, a sua “autonomia”, como se a justiça se exercesse numa redoma de cristal de homens impolutos e justos que não têm que prestar contas a ninguém, a não ser aos seus pares e mesmo assim pouco, e que são o último sustentáculo do povo versus todos os males, a começar pelos políticos corruptos e pedófilos. Esta retórica encobre uma luta de influências e poderes que se faz por detrás de grandes proclamações sobre a independência da justiça. É um conflito que envolve políticos, juízes, magistrados, advogados, sindicatos e grandes interesses que se movem à volta da justiça e da “injustiça”. E que, numa democracia sã, deve ser tão escrutinado como qualquer decisão do Conselho de Ministros ou falta injustificada dos deputados.
Apesar de tudo o que se pode criticar, a existência de um Pacto sobre a justiça, com medidas conhecidas e outras implícitas (como a escolha do novo PGR), discursos públicos como os do Presidente no 5 de Outubro e na posse do PGR, o discurso do próprio PGR, tudo apontou para orientações, directrizes, consensos e divergências, expostos diante de toda a gente e escrutináveis no futuro. Não é mau de todo ouvir o PR apontar com precisão à luta contra a corrupção e o novo PGR esclarecer preto no branco que vai usar todos os poderes e que está no topo de um edifício hierarquizado, logo que, de cima para baixo, ele manda. Tudo isto é positivo. Como o é a diferença, que se espera se mantenha com firmeza, de o PGR estar disposto a falar para esclarecer a Assembleia e, por ela, os portugueses sobre as orientações que entende imprimir à sua função e, em sentido contrário, a sua disposição em estar calado naquilo que não deve falar e que levou o anterior ocupante do cargo a estar no centro de tanta confusão. O anúncio do silêncio e da fala é bem-vindo. Agora vamos ver o que muda. Sim, porque se espera que muita coisa mude.'
quinta-feira, outubro 12, 2006
Sugestão de leitura - A bem-vinda politização da justiça
Entre outras questões, Pacheco Pereira debruça-se sobre a justiça na Sábado. Aqui fica a parte que respeita à justiça, denominada "A bem-vinda politização da justiça":
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1 comentário :
completamente de acordo, nesta materia não podem existir divisões.
kavako
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