2. Em 1984, as chamadas indicações que permitiram (e permitem) interromper a gravidez eram designadas como causas de “exclusão da ilicitude”. Trocando por miúdos, o legislador sentiu-se obrigado a esclarecer os destinatários das normas de que, naquelas situações de interrupção voluntária da gravidez, o facto seria lícito.
Assim, a interrupção voluntária da gravidez passou a poder ser praticada, legalmente, nos hospitais por médicos devidamente autorizados. O que não impediu nem impede aqueles médicos que achem que o juramento de Hipócrates inibe de praticar o aborto possam deduzir objecção de consciência.
De qualquer modo, devido à pressão social, mesmo naquelas situações em que a interrupção da gravidez passou a ser permitida, a tendência do Serviço Nacional de Saúde (SNS) foi sempre muito restritiva.
Por isso se diz que a lei espanhola, semelhante à portuguesa, permite a interrupção voluntária da gravidez com uma muito maior latitude. Sucede que os espanhóis entendem que a continuidade de uma gravidez indesejada põe em causa a saúde psíquica da mãe e, por essa razão, acabam por admitir o aborto terapêutico sempre que a mulher grávida o pretende.
É claro que, se em Portugal se passasse o mesmo, não seria necessário as mulheres irem abortar para clínicas em Badajoz ou em Vigo. Bastaria invocarem a sua vontade para poderem abortar até à 12.ª semana — e não apenas até à 10.ª semana — ao abrigo do artigo 142.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.
É interessante observar dois fenómenos relacionados com tudo isto:
Os adeptos do “Não” invocam a lei espanhola para defenderem que a lei portuguesa não deve ser alterada. Por inteiro, o discurso invoca a maior liberalidade de costumes de Zapatero e dos socialistas espanhóis para concluir que nem eles se atrevem a propor uma lei como a que resultaria da vitória do “Sim” no referendo português. Hipocrisia ao quadrado: os adeptos do “Não” sabem muito bem que na Espanha já vigora, na prática, um regime igual àquele que pode ser introduzido em Portugal no caso da vitória do “Sim”.
Na Espanha, esse regime já vigora porque os espanhóis “fintaram” a lei, transformando o método das indicações num método dos prazos.
Mas seria isso que gostariam de ver os adeptos do “Não”? De modo nenhum. Eles pretendem que esse regime nunca vigore e, como em Portugal só uma alteração da lei permitirá aplicá-lo, então opõem-se a essa alteração da lei.
O segundo fenómeno, ainda mais estranho, consiste em alguns adeptos do “Sim” afirmarem que o referendo não é necessário, porque já hoje é possível abortar livremente durante as primeiras dez semanas, se a lei for bem interpretada. Não têm, no entanto, razão.
Não é nada claro que a interpretação dada pelos espanhóis seja, no plano jurídico, a melhor interpretação. Pelo contrário, até é difícil sustentar, com um mínimo de obediência à letra da lei (artigo 9.º do Código Civil) que a tal indicação terapêutica se verifica sempre que a mulher quiser interromper a gravidez.
Assim, a interrupção voluntária da gravidez passou a poder ser praticada, legalmente, nos hospitais por médicos devidamente autorizados. O que não impediu nem impede aqueles médicos que achem que o juramento de Hipócrates inibe de praticar o aborto possam deduzir objecção de consciência.
De qualquer modo, devido à pressão social, mesmo naquelas situações em que a interrupção da gravidez passou a ser permitida, a tendência do Serviço Nacional de Saúde (SNS) foi sempre muito restritiva.
Por isso se diz que a lei espanhola, semelhante à portuguesa, permite a interrupção voluntária da gravidez com uma muito maior latitude. Sucede que os espanhóis entendem que a continuidade de uma gravidez indesejada põe em causa a saúde psíquica da mãe e, por essa razão, acabam por admitir o aborto terapêutico sempre que a mulher grávida o pretende.
É claro que, se em Portugal se passasse o mesmo, não seria necessário as mulheres irem abortar para clínicas em Badajoz ou em Vigo. Bastaria invocarem a sua vontade para poderem abortar até à 12.ª semana — e não apenas até à 10.ª semana — ao abrigo do artigo 142.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.
É interessante observar dois fenómenos relacionados com tudo isto:
Os adeptos do “Não” invocam a lei espanhola para defenderem que a lei portuguesa não deve ser alterada. Por inteiro, o discurso invoca a maior liberalidade de costumes de Zapatero e dos socialistas espanhóis para concluir que nem eles se atrevem a propor uma lei como a que resultaria da vitória do “Sim” no referendo português. Hipocrisia ao quadrado: os adeptos do “Não” sabem muito bem que na Espanha já vigora, na prática, um regime igual àquele que pode ser introduzido em Portugal no caso da vitória do “Sim”.
Na Espanha, esse regime já vigora porque os espanhóis “fintaram” a lei, transformando o método das indicações num método dos prazos.
Mas seria isso que gostariam de ver os adeptos do “Não”? De modo nenhum. Eles pretendem que esse regime nunca vigore e, como em Portugal só uma alteração da lei permitirá aplicá-lo, então opõem-se a essa alteração da lei.
O segundo fenómeno, ainda mais estranho, consiste em alguns adeptos do “Sim” afirmarem que o referendo não é necessário, porque já hoje é possível abortar livremente durante as primeiras dez semanas, se a lei for bem interpretada. Não têm, no entanto, razão.
Não é nada claro que a interpretação dada pelos espanhóis seja, no plano jurídico, a melhor interpretação. Pelo contrário, até é difícil sustentar, com um mínimo de obediência à letra da lei (artigo 9.º do Código Civil) que a tal indicação terapêutica se verifica sempre que a mulher quiser interromper a gravidez.
1 comentário :
A conversa é muito bonita mas na prática o que se quer é liberalizar o aborto realizado nas clínicas .
O clandestino continua a ser punido.
Digam o contrário.
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