3. Em 1995, quando entrou em vigor o novo código penal, o legislador deixou de falar em “exclusão da ilicitude”, preferindo a expressão “interrupção da gravidez não punível”. O legislador quis, manifestamente, utilizar uma expressão descomprometida, que não sugerisse que ele considera positiva ou não negativa a interrupção voluntária da gravidez. O que o legislador quis, afinal, foi comunicar aos destinatários das normas é que não se sentia legitimado para punir, em certas situações, o aborto, embora não o considerasse algo valioso ou neutral no plano axiológico.
Porém, nada disto significa que o aborto tenha passado a ser ilegal ou ilícito nos casos das indicações terapêutica, criminológica ou eugénica. Se fosse assim, qualquer “pro-lifer” poderia entrar num hospital e desatar aos tiros, em legítima defesa do feto, contra o médico que pretendesse praticar a interrupção voluntária da gravidez nos casos previstos no artigo 141.º do Código Penal.
É verdade que algo parecido já aconteceu nos EUA, mas nem lá, nem em Portugal algum tribunal teria a insensatez de concluir que o atirador havia actuado licitamente, em legítima defesa.
Por isso, mesmo depois de 1995, as situações de não punibilidade (que são explicadas por uma inexigibilidade de outra conduta à mulher grávida, como bem explicou o Tribunal Constitucional alemão) continuaram a ser situações de interrupção voluntária da gravidez legal ou lícita. Por conseguinte, estamos a falar de impunibilidade ou despenalização associadas a intervenções médicas legais ou lícitas.
Falar em liberalização neste contexto não tem sentido nenhum. Liberaliza-se o comércio, a compra e venda de uma substância ou o consumo de um produto. Não se liberaliza um tratamento médico. Acha, Prof. Marcelo, que faz sentido, fora de um contexto retórico e propagandístico, falar em liberalização de transplantes hepáticos ou de cirurgias cardíacas? Experimente usar essa linguagem e verá que alguns dos seus amigos recearão pela sua sanidade…
Porém, nada disto significa que o aborto tenha passado a ser ilegal ou ilícito nos casos das indicações terapêutica, criminológica ou eugénica. Se fosse assim, qualquer “pro-lifer” poderia entrar num hospital e desatar aos tiros, em legítima defesa do feto, contra o médico que pretendesse praticar a interrupção voluntária da gravidez nos casos previstos no artigo 141.º do Código Penal.
É verdade que algo parecido já aconteceu nos EUA, mas nem lá, nem em Portugal algum tribunal teria a insensatez de concluir que o atirador havia actuado licitamente, em legítima defesa.
Por isso, mesmo depois de 1995, as situações de não punibilidade (que são explicadas por uma inexigibilidade de outra conduta à mulher grávida, como bem explicou o Tribunal Constitucional alemão) continuaram a ser situações de interrupção voluntária da gravidez legal ou lícita. Por conseguinte, estamos a falar de impunibilidade ou despenalização associadas a intervenções médicas legais ou lícitas.
Falar em liberalização neste contexto não tem sentido nenhum. Liberaliza-se o comércio, a compra e venda de uma substância ou o consumo de um produto. Não se liberaliza um tratamento médico. Acha, Prof. Marcelo, que faz sentido, fora de um contexto retórico e propagandístico, falar em liberalização de transplantes hepáticos ou de cirurgias cardíacas? Experimente usar essa linguagem e verá que alguns dos seus amigos recearão pela sua sanidade…
6 comentários :
Só uma correcção: o artigo que trata da situaçõpes de «interrupção da gravidez não punível» é o 142.º e não o 141.º (o 141.º é o que prevê penas para as restantes situações).
A conversa é muito bonita mas na prática o que se quer é liberalizar o aborto realizado nas clínicas .
O clandestino continua a ser punido.
Digam o contrário.
Anónimo de Jan 28, 09:17:34 AM
O que se pretende é terminar com o drama do clandestino.
Este drama só existe para quem não tem dinheiro "em notas", por isso voto SIM.
Obviamente a autorial material de aborto por outras pessoas que não o pessoal médico e de enfermagem devidamente habilitado para tal tem de continuar ilegal. Mas não por uma questão de 'lobby' das clínicas -- simplesmente porque é assim em relação a qualquer acto médico-cirúrgico.
Se a prescrição de um medicamento sujeito a receita médica, a extracção do apêndice ou das amígdalas, o transplante de um rim ou a realização de uma endoscopia está reservada aos profissionais dotados de habilitação para tal, havendo penas para quem as realiza sem a devida e reconhecida formação (teórica e prática), por que é que com um aborto haveria de ser diferente?...
Então não digam se se pretende acabar com o aborto ilegal ou com a penalização das mulheres que abortam.
As que são social cultural e economicamente mais débeis - essas que alegadamente querem proteger - continuarão a fazer abortos clandestinos e, como tal, a ser punidas.
Como o sistema de saúde público, está visto, não tem hipóteses de dar a resposta urgente que o aborto implica, o que se pretende é obrigar as mulheres a ir para as clínicas privadas, com a ameaça da sanção penal.
A hipocrisia do "Sim" a esta lei é concreto é insofismável.
"não digam que se pretende"
"lei em concreto"
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