sexta-feira, fevereiro 02, 2007

O útero como espaço de interesse do direito penal

Fernanda Câncio assinala, com razão, que o crime de aborto é desenhado na perspectiva da intrusão no útero da mulher. Não há nenhum exagero nesta afirmação. Se um embrião com grau de desenvolvimento equivalente se encontrar num laboratório, ninguém questiona o seu destino ou protesta por não ser aplicada a incriminação do aborto. Nesse caso, não teria graça, porque poderia ser um homem (um cientista) a guardar o embrião. Esta mania de perseguir as mulheres tem muita tradição.

As Ordenações do Reino já incumbiam os quadrilheiros, percursores da moderna Polícia Judiciária, de correrem os lugarejos todos, para verificarem se, havendo mulheres presentes, se não dava conta da criança.

Candidatos a quadrilheiros não faltam por aí. É vê-los na campanha do “Não”. Uns abrem o Código Civil e falam em “nascituros não concebidos”, sem perceberem o que dizem; outros falam em telemóveis; outros ainda falam em capricho, negócio ou feitiço.

Estes modernos quadrilheiros, que bem merecem a classificação científica de uterólogos, ostentam nomeadamente um ar beato e deslumbrado. Arregalam os olhos deslumbrados, a anteverem as chamas do inferno. Um dos seus gurus, o pároco de Castelo de Vide, já prometeu o fogo eterno a quem votar sim, quem se enganar na cruz ou quem ficar em casa. Só não se livram de uma coisa: também eles se desenvolveram no útero (feminino).

[Publicado originalmente no Sim no Referendo]

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