1. Eis que de repente saltou para as páginas dos jornais Carlos Moreno. O juiz do Tribunal de Contas em pessoa, ali ao dispor dos media, com energia para dar e vender. Tanta, diria eu, que não se esgota nas auditorias. Devotado de corpo e alma à comunidade, ainda rouba tempo aos seus para dar uma mão desinteressada a um estabelecimento de ensino superior privado. O gesto é tudo, embora ninguém, nem mesmo os alunos, esteja em condições de dar uma ideia exacta das matérias leccionadas.
Como qualquer um de nós, Moreno tem períodos de maior fulgor. E outros em que não cintila tanto como agora acontece. Já no último lustro do século passado, Moreno havia demonstrado a sua criatividade, para depois passar por uma fase mais apagada.
São merecidos os 15 minutos de fama a que também Moreno tem direito. Só ele acreditou que poderia tirar coelhos da cartola. Perante a hesitação dos seus pares, Moreno chegou-se à frente: — Eu fico [com a auditoria, entenda-se].
2. A história, é bom de ver, começa aqui. Deambulando pelos corredores ministeriais à cata dos segredos de Estado, Moreno acabou por os localizar algures entre São Bento e a Gomes Teixeira. Logo aí, tomou a decisão certa — alterar a cinzenta designação da inspecção: em lugar de “Auditoria às Despesas de Funcionamento dos Gabinetes Governamentais”, aguçava a curiosidade com o título tablóide “Auditoria aos Gabinetes Governamentais”.
Alargado o âmbito da auditoria, Moreno dispôs-se, portanto, a avaliar o desempenho de todos e de cada um dos governantes. Já não estaria em causa a análise da legalidade e da regularidade das despesas efectuadas, mas a própria eficiência e eficácia dos governantes. Nunca se saberá se Moreno, em nome do povo, e substituindo-se ao Parlamento, se fez acompanhar do programa do Governo para levar a bom porto a ciclópica empreitada.
A verdade é que o relatório da auditoria não dá conta da avaliação do desempenho do Governo feita pelo Tribunal de Contas. Moreno foi mais modesto na apresentação dos resultados, pois relata apenas, e não é pouco, os segredos de Estado. E que segredos foram esses que Moreno trouxe ao conhecimento do povo em geral? Foram dois.
3. Moreno concluiu, em primeiro lugar, e após complexos e prolongados procedimentos de auditoria, que havia motoristas, recepcionistas, secretárias, assessores e contínuos, para além de pessoal da limpeza e um cozinheiro, na residência oficial do primeiro-ministro. O nosso implacável juiz quis quantificá-los, mas esqueceu-se de um procedimento elementar: incidindo a auditoria sobre a actividade de três governos, haveria que fazer o cut off, sob pena de baralhar os dados.
O juízo final de Moreno foi, de facto, bombástico: ficou a saber-se que o governo do PS não só contratou uma caterva de inúteis, como ainda, à socapa, continuou a alimentar os vadios arrebanhados pelos governos de Barroso e Santana Lopes. Debrucemo-nos um pouco mais sobre esta bombástica revelação.
Como chegou Moreno a tais conclusões? Encontrou a chefe de gabinete de Santana Lopes trancada nas catacumbas de São Bento? Cruzou-se com outros divertidos assessores santanistas que se pavoneavam na residência oficial? Não, parece que apenas viu umas folhas de pagamentos e, como Santana não foi despedido no último dia do mês (como avisadamente acontece com as mulheres a dias), lá aparecia, no mês seguinte, tudo à molhada. Não tendo Moreno feito o que qualquer manual de auditoria para principiantes recomenda, que é observar mais do que os documentos de um mês, fez um figurão nos jornais.
O Governo, que já procurara corrigir Moreno aquando do exercício do contraditório, insurgiu-se contra a manutenção deste erro grosseiro [aqui e aqui]: haviam sido efectuadas 50 nomeações (cinco das quais deram, entretanto, lugar a exonerações) e não 148 como Moreno escarrapachara no relatório.
O implacável Moreno esteve um mês a cismar nas razões aduzidas pelo Governo. Decidiu finalmente que não poderia rever as notáveis conclusões a que chegara, porque os dados haviam sido fornecidos pelo Governo (e trabalhados, supõe-se, pelo próprio primeiro-ministro, enquanto o juiz se entretinha a olhar para os pavões nos jardins de São Bento). Para corrigir as enormidades, teria de voltar a São Bento e ver com os seus próprios olhos os ministros a refazerem os cálculos. Por que não um conselho de ministros especial para o efeito (em que cada membro do Governo se fizesse acompanhar da sua calculadora)?
4. O outro segredo de Estado revelado por Moreno não é menos bombástico: nem se consegue entrar nos gabinetes ministeriais, porque estão atafulhados de euros até ao tecto. O povo nem desconfia, mas os gajos gastaram 12,5 mil milhões de euros, vá lá a gente saber com quê. Nem o próprio Tribunal de Contas é capaz de saber...
O Juiz Conselheiro Freitas Pereira, por sinal o único que tem obra publicada e estuda estes assuntos, ainda tentou demover o implacável Moreno, chamando-o à razão: apenas um por cento (1%) desses gastos corresponde a despesas de funcionamento dos gabinetes ministeriais. Os restantes 99 por cento respeitam a transferências financeiras no âmbito da Lei de Bases da Segurança Social, tratando-se de meros movimentos contabilísticos que se anulam no âmbito da consolidação de contas. Mas a contabilidade é uma atrapalhação.
Freitas Pereira, não tendo conseguido demover o implacável Moreno, o dono da auditoria, teve de se contentar com uma declaração de voto [p. 110] a sublinhar a sua discordância (e a ignorância de Moreno).
domingo, abril 29, 2007
My name is Moreno, Carlos Moreno
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21 comentários :
Parabéns Miguel.
Não podias fazer uma síntese para eu poder ir dormir com tudo lido ?
Quem é o Moreno? Só me lembro do Cantiflas.
o Moreno é do opus dei
A tecnica de fazer ataques pessoais a qualquer pessoa que ponha em causa o executivo é inqualificável.
Repare-se que os alvos do MA são sempre pessoas que no âmbito legitimo das suas funções ousam questionar ou criticar as medidas ou praticas do Governo, ou do PS.
Desde Candida Almeida, João Guerra, António Cluny, Noronha do Nascimento ou Carlos Moreno.
A utilização de factos da vida pessoal para atacar e denegrir a imagem e o bom nome das pessoas não pode deixar de ser sancionada e punida.
Ó Hércules que suporta o mundo PS
vc podia mostrar-se para nós o podermos aplaudir nessa sua veia heróica de contrapropaganda...
Mas diga lá vc é daqueles que o relatório refere?Da iniciativa privada?Percebendo de TV´s?
Ou será daqueles que ganha uma "esmola2?
Parabéns Miguel,
Pela forma simples, claríssima e divertida como põe a nu uns quantos individuos cuja legitimidade (desde logo técnica) é mais do que duvidosa e utilizam instituições que deveriam ser respeitáveis para se porem em bicos de pés.
É caso para concluir que o homem teve o seu segundinho de fama. A pobreza de espírito...
Deixem lá o moreno dar a sua rapidinha.
O Tribunal de Contas também é uma corporação a combater neste blog?
o miguelito quer ser o antónio ferro do sistema socrático mas sem o talento do ferro.
Fiquei a saber o porquê da discrepância do numero real com o numero que apareceu no relatório. O Moreno ficou nos jardins a ver os pavões e atrapalhou-se.
Ganhou deste modo 15 segundinhos de fama.
Parabéns Miguel pelo texto fantástico.
O moreno dá mesmo aulas de borla numa privada?
Abrantes, a foto é soberba - até consigo ver o moreno. Só não consigo saber é se ele está no exercício das suas funçoes do "tribunícias" ou das funções graciosas com instituição privada.
Agradeço a quem souber que dê um palpite.
O meu Pai, que Deus lá tem, que me perdôe mas a imagem que me transmitiu dos JUIZES impolutos é uma grande falácia... ´Há de tudo como na Farmácia. Na corporação deve haver gente perigosa e... com o poder que têm são uma ameaça. E de nada nos vale gritar: - AQUI DEL-REI...
Safa-te, ANÓNIMO
"em funções graciosas com instituição privada". hum?
Eu acredito no pai natal.
Pagam-lhes para terem dedicação exclusiva ( a função deles assim os abriga) e ainda têm tempo para dar umas graciosas nas privadas e não esquecer a mãozinha graciosa na Liga de clubes.
São inexcedíveis.
«Na corporação deve haver gente perigosa e... com o poder que têm são uma ameaça. E de nada nos vale gritar: - AQUI DEL-REI...» Pois!
As conclusões da deliberação da 2.ª Secção sobre os requerimentos de 3 e 11 de Abril são hilariantes: apegados a um formalismo doentio, afasta-se a questão de fundo, tão só pela simples razão que: "(...) serão objecto de análise em eventuais futuras acções de controlo".
Já nem o STA julga com base em critérios meramente formais, uma vez que resulta do CPTA terem os TAF de julgar o mérito, para virem agora estes "caramelos", defenderem exactamente o contrário.
Cada vez me convenço mais que as ciências jurídicas são "bisexuais"...
*
E não há forma de lavar estas cabecinhas?
Mas porquê tanta conversa se o engenheiro a martelo Sócrates afinal até disse que estava satisfeito com a deliberação do Tribunal de Contas?
Ou esta posta é só para mostrar serviço aí ao ajudante de ministro?
Olha se o tipo se debruçasse sobre os dinheiros que Alberto João Jardim anda a estourar na campanha eleitoral!
Se formos ali ao lado, esta mesma matéria tem um tratamento completamente ao contrário. Basta ir ali ao pé de Santa Comba Dão, travestida de legalidade, onde aquele que se diz de Balbino Caldeira é amplamente citado...
Topam?
Este moreno é um patetico incompetente, representando muito mal a classe dos juízes. este homem a julgar deve ser um perigo para os reus. Deus nos livre destes imbecis.
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