“(…) a comunicação social não pode “poluir” um processo, sob pena de se pôr em causa a exigência de processo equitativo prevista na Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Se tal acontecer, o processo até pode vir a ser anulado.
As condenações antecipadas não fazem parte da nossa cultura constitucional. Dessa cultura faz parte, pelo contrário, a ideia de que uma condenação consistente se baseia na superação da dúvida razoável sobre os factos e nas garantias de defesa dos arguidos.
Só um poder punitivo fraco e refém de “interesses políticos” particulares remeteria para a opinião pública, como Pilatos, a decisão sobre quem condenar.”
“(…) às primeiras imagens televisivas da ocorrência [o directo de Scolari em directo], eu também resvalei para a sua instrumentalização, exclamando, numa roda de amigos: "Óptimo. Amanhã não há Maddie." Mas reconheci depois a ingenuidade. Fiz o que nunca fazem os polígamos: subestimei a compatibilidade das paixões. De facto, o caso Maddie não esmoreceu. Boa parte dos media (portugueses, ingleses e cada vez mais de todo o mundo), a descontrolada devassa do inquérito policial e o alucinante carrossel de lágrimas e bílis que a multidão sempre cavalga mantiveram o abraço tentacular que fecha cada um de nós na sua consciência. O estatuto de arguido dos McCann, em vez de contribuir para a sua defesa, fez com que só eles tivessem de respeitar o segredo de justiça. A verdadeira defesa, a que podiam fazer na praça pública, tiveram de abdicar dela. E se The Sun, ou outro expoente máximo do jornalismo mínimo (que, felizmente, Portugal ainda não tem), pode dar-se ao luxo das intrigas, das especulações sem freio, das falsas pistas e das violações da privacidade, é porque é sobre nós que recai o labéu da democracia que não consegue pôr a funcionar um Estado de direito.”
1 comentário :
Tocam no ponto nuclear entre principios de justiça e a barbarie.
Pelo que tenho visto. A imprensa escrita segue sem regras o apoio à barbarie.
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