domingo, outubro 07, 2007

Populismo e justicialismo


Paula Rego, The Vivian Girls with Windmills



O justicialismo é uma forma de populismo. Provocou grande comoção uma entrevista dada por Cravinho acerca da corrupção. Todos sabemos que a corrupção é um fenómeno preocupante, porque vicia as regras do jogo democrático. O problema está em saber quais são os limites que devem ser impostos à sua perseguição.

Estabeleça-se um paralelismo. Também o terrorismo é indiscutivelmente condenável. Porém, o terrorismo não justifica Guantámano. A tortura em nome do combate ao terrorismo não é tolerável. Neste jogo de espelhos, também os próprios terroristas invocam boas razões. Afinal, foi Deus que lhes deu um mandato para defenderem a moralidade e combaterem o vício.

Vem tudo isto a propósito do erro em que caem alguns, Cravinho incluído, que certamente prezam a democracia e repudiam práticas como a tortura, mas se esquecem que há limites na luta contra a corrupção — ou a própria pedofilia, por mais repugnante que seja.

Quais são esses limites? A presunção de inocência, antes de uma condenação judicial definitiva, e o direito de se saber ao certo do que se é acusado — são direitos sem os quais voltaríamos à barbárie da Inquisição.

Por exemplo, ao propor o crime de enriquecimento ilegítimo, Cravinho não terá razão se esse crime for na prática um crime de corrupção sem prova. A questão seria diferente se ele estivesse a propor um crime de falsas declarações sobre o património ou de ocultação do património em declarações perante o Tribunal Constitucional ou o fisco.

Também é perigoso alinhar a ideia de que os políticos, em regime democrático, são presumivelmente corruptos. Foi essa ideia que favoreceu o advento dos regimes totalitários do Séc. XX, com os resultados conhecidos, quer quanto aos direitos humanos, quer quanto à própria corrupção.

Os políticos merecem fiscalização apertada e sanções eficazes, sem nenhum favorecimento em relação aos restantes cidadãos. Mas alinhar na histeria de os considerar culpados ao mais leve indício e apenas por serem, por exemplo, arguidos, não é conforme ao Estado de direito.

Por tudo isto, a conexão entre populismo e justicialismo é indesmentível. O justicialismo é mesmo uma forma de populismo. Curiosamente, um dos seus maiores expoentes na política foi Marques Mendes, que se queixa agora directamente ou por interpostas pessoas de ter sido apeado do poder por um populista. Bem se diz que os desígnios da Divina Providência são insondáveis.

6 comentários :

Anónimo disse...

Na mouche !

Anónimo disse...

Palavras sás e sabias. Explicadas com a clareza necessaria a que todos, eu incluido, fiquem esclarecidos. Entre um mero desejo (?)demogagico e a realidade intrinsica a que todos temos direito.A Constituição assim o determina.
Posto isto, o que é que querem estes camaleões da politica e dos tribunais? Dar nas vistas? Estar na onda? Nas 1ªs paginas dos panfletarios mentirosos? Ou pretendem com esta fumaça esconder algo que os atromenta?
Caro Sr. Miguel, não o conheço, mas reconheço-lhe mérito e sabedoria nos pontas que amiúde aflora por aqui.Continue.

Anónimo disse...

A corrupção como fenómeno político e sociológico ultrapassa largamente os actos de corrupção tipificados na lei.
Em sentido lato, podemos considerar corrupção todos os actos que convertam poder em riqueza ou riqueza em poder. Quando convertemos riqueza em poder, corrompemos a república; quando convertemos poder em riqueza, corrompemos o mercado.
Não podemos criminalizar tudo o que é corrupção, mas convém, quando se opera no âmbito estrito da lei, ter em consideração o âmbito mais lato da sociedade. Era isto que Cravinho queria, e foi isto que o PS não pôde ou não quis entender.

Anónimo disse...

Este Miguel Abrantes é único !

Agora está a entrar na sua fase mística...

Vejamos:

Titulo do post anterior: " Por obra e graça do Espírito Santo"

Última frase deste post: "Bem se diz que os desígnios da Divina Providência são insondáveis".

É inegável: está a tentar proteger-se de algo colando-se à "Opus Gay"...

Será que está com receio das novas inquirições sobre o processo da CP ?

Que dá para desconfiar, dá...

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Cleopatra disse...

"mas se esquecem que há limites na luta contra a corrupção — ou a própria pedofilia"

Ai MIguel esta frase é um buraco no texto.
Não há limites contra nenhum destes crimes.
Qdo existem não há limites.