“Os melhores colunistas e comentadores dos jornais portugueses andam por estes dias algo irritados com a crescente regulação dos comportamentos individuais pelo Estado ou até, simplesmente, com o esforço para efectivamente sancionar violações de regras já existentes (…).
Mas, apesar da enorme diversidade dos pretextos, são três, e apenas três, os argumentos a que mais frequentemente recorrem os que se dizem incomodados com estas coisas.
O primeiro é utilizado pelos autoproclamados defensores do "património cultural". Há dias circulava uma petição onde, a propósito de uma alegada proibição de servir cafés em chávenas de porcelana, se invocavam ameaças à "cultura" e à "tradição, esmagadas pela fúria normalizadora e moralizadora da ASAE. O facto de essa proibição nunca ter realmente existido já seria um indicador interessante do grau de racionalidade do argumento, mas nem é o único (…).
Um segundo argumento é aquele que vê a proibição pelo Estado de determinados comportamentos individuais como um invariável atentado à liberdade, ou até um primeiro passo na abolição de direitos políticos fundamentais. Ao invocar-se a este respeito uma concepção liberal da autonomia individual e do papel do Estado, até se dá a este argumento uma embalagem sedutora. O problema é que estes liberais não devem ter lido o seu John Stuart Mill até ao fim (…).
Quando essas consequências existem - como é manifestamente o caso do fumo em locais públicos, do estacionamento selvagem ou da condução sob efeito do álcool ou em excesso de velocidade - , a invocação da liberdade individual como justificação para a não intervenção do Estado é insustentável.
E é até possível contemplar que se proíbam comportamentos que têm consequências nocivas exclusivamente para aqueles que os adoptam sem que isso implique necessariamente uma colisão com a liberdade de escolha individual. Como explicava recentemente Richard Posner a propósito da proibição da venda de alimentos com gorduras sintéticas em Nova Iorque, não é preciso aderirmos a uma concepção paternalista e moralista do papel do Estado para compreendermos como, para os cidadãos, aceder a toda a informação necessária para fazer escolhas autónomas e informadas pode ser excessivamente oneroso.
Por exemplo, esperar que os cidadãos saibam exactamente os riscos associados à toma de todos os medicamentos que as farmacêuticas queiram colocar no mercado é obviamente irrealista, e é por isso mesmo que delegamos decisões sobre essa matéria em agências reguladoras e em especialistas (…).
Resta um terceiro argumento, o dos fatalistas. Estes até desejariam que os portugueses fossem mais ou menos civilizados e capazes de imaginar que as regras não são apenas para os outros. Contudo, julgam ser tal objectivo impossível, e muito menos por decreto.
O que seria bom, afinal, era que fôssemos como os "anglo-saxónicos", que se regem por normas implícitas de comportamento e convivência e que partilham uma cultura cívica, em vez de estarem sujeitos a violentas e potencialmente ineficazes sanções legais. Mas suponho que estes fatalistas nunca terão tentado entrar com um carro no centro de Londres, estaciona-lo em segunda via em Frankfurt ou deixá-lo parado em frente a um terminal em JFK "só um bocadinho que estou à espera de uma pessoa".
Se o tivessem feito, teriam talvez ficado com dúvidas sobre aquilo que realmente causa o comportamento "civilizado": a cultura cívica, ou, pelo contrário, instituições, regras e um aparelho coercivo disposto a aplicá-las sem contemplações. Quem tenha vivido algum tempo nestas sociedades terá certamente verificado como pessoas de todas as culturas, "cívicas" ou não "cívicas", se civilizam com uma rapidez surpreendente.”
segunda-feira, janeiro 07, 2008
Liberalismo de pacotilha
Pedro Magalhães escreve no Público sobre “Liberalismo de pacotilha”. Eis alguns extractos:
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1 comentário :
De pacotilha me parece o palavreado
do tal Pedro Magalhães. Percebe-se perfeitamente onde ele quer chegar com as suas falinhas mansas: à defesa troglodítica do fundamentalismo antitabágico, a que todos os intelectuais válidos deste país se têm oposto, a começar por Vasco Pulido Valente nas páginas do mesmo jornal. Tenho pena de já ser tarde e não ter tempo para lhe responder à letra. Por isso deixo apenas alguns apontamentos avulsos.
De facto os ingleses sempre tiveram fama de ser cívicos : já Benjamim Franklin dizia que eles eram tão cívicos que mesmo estando só um fazia uma bicha...Mas o maior vulto inglês do século XX foi sem dúvida Churchill, que era inseparável do seu charuto; e os cívicos ingleses nunca tiveram a má educação e o mau gosto de se declararem incomodados pelo fumo que dele emanava.
A figura portuguesa mais próxima de Churchill é sem dúvida
Mário Soares, que também fuma. Quem não fumava eram Salazar e o Cardeal Cerejeira.
O primeiro legislador antitabágico não foi nenhum inglês: foi um alemão chamado Adolf Hitler.
Se a ASAE continua na mesma senda, qualquer dia em Portugal só restarão os MacDonald's e os Pizza-Huts, que são muito limpinhos e higiénicos, mas que só servem porcarias intragáveis para quem tenha um mínimo de bom gosto e de bom senso. E que os turistas devem achar muito típicos...
Por hoje fico-me por aqui, por falta de tempo. Boa noite e bons hamburgers.
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