Perante posições como a de Cintra Torres, ainda mais se justifica a análise da questão da auto-regulação da comunicação social. Veja-se o que escreve, no Diário Económico de hoje, Pedro Adão e Silva sobre O directo da morte:
- “Ao longo de várias horas as televisões fizeram directos desde Campolide. A opção editorial foi absolutamente legítima, o mesmo já não pode ser dito da forma como se mostrou o sequestro. As imagens da porta do banco, com os sequestradores de arma apontada aos reféns, seguidas do tiroteio, foram um prato adequado ao “voyeurismo” televisivo; mas foram também uma exposição gratuita de violência, assente num hiper-realismo que tende a confundir a realidade com um video-game em que vida e morte são categorias igualmente banais. Aliás, basta imaginarmos um cenário alternativo em que a intervenção dos GOE não corria bem e no qual, em lugar da “neutralização” dos sequestradores, tínhamos assistido a um banho de sangue com morte dos reféns, para nos apercebermos de quão perigosos foram aqueles directos. E o que dizer das horas de tensão a que foram sujeitos os familiares e amigos dos reféns, expostos àquelas imagens dramáticas? Será legítimo, em nome de dois ou três pontos percentuais na guerra das audiometrias, oferecer um espectáculo de violência como aquele?
Dir-se-á que aquela violência foi uma consequência do directo que, pela sua natureza, não pudemos antecipar. Não é verdade. Aquele não era um directo imprevisível, como aconteceu, por exemplo, no outro e único caso de morte em directo de que me recordo na televisão portuguesa, o de Miki Feher. Aliás, quando o jogador do Benfica morreu em pleno campo, não só não era previsível que tal viesse a acontecer, como o realizador da partida de futebol, num gesto que na altura foi justamente elogiado, mandou afastar as câmaras da cara do jogador. Tudo ao contrário do que agora se passou. Não apenas na quinta-feira era muito provável que houvesse violência, como todas as televisões não se inibiram de dar os planos mais próximos possíveis dos acontecimentos.
Num mundo desejável, os mecanismos de auto-regulação teriam funcionado e, em lugar do valor absoluto das regras de audiências, as televisões ter-se-iam entendido para não mostrar em directo aquelas imagens terríveis e os seus possíveis desfechos. Mas, como este exemplo mais uma vez demonstra, a auto-regulação da comunicação social é hoje pouco mais do que um embuste mobilizado para a argumentação de cada vez que alguém ousa regulamentar a sua acção. Já os directos da morte são apenas uma versão extrema dos caminhos percorridos pelos media.”
1 comentário :
Eu só digo o seguinte: nem no chamado Terceiro Mundo há directos destes. Tal exploração da morte e da desgraça talvez se encontre em países de grande atraso intelectual, talvez em algumas repúblicas africana. Só em sociedades brutalizadas, onde a maioria da população é ignorante e analfabeta se pode verificar reportagens como as que foram vistas nas tvs sobre este assalto.
É triste verificarmos que estamos nesta situação de atraso.
E. F.
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