domingo, novembro 23, 2008

Leituras

• Fernanda Palma, O sistema do segredo:
    “Para a investigação seria preferível o segredo, mas a questão é saber que valores se jogam no plano da Constituição. O sistema do segredo só é suportável se, de alguma forma, for garantido ao arguido o acesso aos autos. O Tribunal Constitucional, na linha do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, considerou que uma imposição rígida do segredo seria inconstitucional, por não respeitar o direito de defesa.

    (…)

    O Estado não pode resolver dificuldades crónicas de investigação reduzindo direitos ao grau zero. Os prazos de segredo também não devem, por isso, ser ilimitados. Confiar a juízes independentes, imparciais e tão empenhados na realização de justiça como nas garantias de defesa a decisão sobre o segredo é uma solução equilibrada. Como dizia Ricoeur, ela permite manter sob "suspeita" a acusação, ou seja, exige-lhe fundamentação.”
• Nuno Brederode Santos, Da boa ou má Criação:
    «Mas o mais digno de atenção, por mais revelador, foi o mais singelo: essa visão do mundo, da vida e da espécie que vem embrulhada na ideia de que, em democracia ou ditadura, "se está". Pois, nós bem sabemos. Mas é uma abordagem que sulca ondas melindrosas. Porque pressupõe distância e alteridade. A democracia não se vive e frui, como a ditadura não se sofre. Numa e noutra, está-se. Como quem diz: a gente nasce e logo vê. Logo vê o modelo de organização social e política em que nos foi dado viver. Paridos, olhamos em volta: se há liberdade, melhor, mas, se não há, a gente governa-se. Porque isso da liberdade, ou falta dela, é um dado. É um adereço rígido da própria Criação, entendida esta como tudo o que está - ou seja, tudo o que sempre foi, ligeiramente alterado pelos poucos menos e mais que a humanidade, laboriosamente, lá foi conseguindo introduzir. É contingência, é circunstância, e nada podemos (ou nos cumpre) fazer contra o que nos transcende e formata. Como já aqui escrevi, este capitulacionismo moral é maioritário em qualquer democracia acabada de instituir. E subsiste em qualquer democracia fresca de 30 anos. Porque, sem ele, a democracia - que pressupõe a maioria - não poderia existir. Ele molda o espírito dessa amarga e omissiva maioria com que os ditadores governaram, ainda que o hajam feito contra ela também. Mas, integrando um pacto histórico com a minoria que quis e soube resistir, faz parte do regime, com todos os direitos de cidade.»
• Vasco Pulido Valente, Sinais do tempo:
    «O dr. Dias Loureiro queria mesmo ir dizer com solenidade à Assembleia da República o que disse sem solenidade e com um arzinho macilento à RTP? Queria mesmo explicar que "não sabia", que lhe disseram, que ele, coitado, ia acreditando e que "não achava nada"? Queria mesmo confidenciar aos srs. deputados que prevenira o Banco de Portugal, um ponto essencial que, segundo o Expresso, nem António Marta nem Vítor Constâncio confirmam? Onde se meteu o senso deste conselheiro de Estado e, já agora, o senso da gente que se espantou por o PS ter impedido um exercício absurdo e fora de toda a tradição parlamentar?

    E, por falar de senso, onde está a cabeça do PSD, quando a menos de um ano de eleições volta a falar em mudar de chefe, por causa de meia dúzia de gaffes da dra. Ferreira Leite e do habitual desconsolo com o resultado das sondagens? Não a elegeu há seis meses? Pensa seriamente que ainda consegue descobrir num canto obscuro do partido um salvador chegado direitinho do Céu? Ou que esse salvador é um jovem-maravilha que não se cansa de comer febras de porco e, na vida civil, se chama Pedro Passos Coelho? Ou talvez, nunca se sabe, o célebre "Mourinho de Cavaco", Alexandre Relvas, que passaria a "Mourinho do PSD"? Ou até, apesar da sua pudica recusa, o mágico Marcelo, sempre suspeito de puxar os cordelinhos por detrás da cortina?»

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