terça-feira, fevereiro 17, 2009

Leituras

• António Correia de Campos, Governabilidade:
    “O desafio da governabilidade vai agudizar-se nos próximos oito meses, com naturais forças centrífugas e centrípetas. As primeiras, sempre mais visíveis, incluem as oposições, explicitamente propugnando a ingovernabilidade (tirar a maioria absoluta ao próximo governo); servem-se da hipertrofia benigna de alguns egos inflamados, inocentes úteis para bloquear maiorias e governos; atiçam forças a algumas canelas mais gostosas e mais visíveis, desejosos de deixarem o governo a coxear. Incluem as "vítimas" da governabilidade, ansiosas por governos fracos. Nesse grupo se contam os que perderam ou receiam perder audiências, vendas e poder implícito; os que derivaram de antigas visões ideológicas redentoras e agora procuram, entre veredas pedregosas, a sua estrada de Damasco; os que, por cansaço de leitores e ouvintes, falharam no estatuto de áugures; os que receiam que armários se abram e de lá saltem esqueletos.

    As forças centrípetas são convencionais: os actores e interessados na governabilidade, os que se não podem distrair, certinhos e produtivos; os que carecem de estabilidade para crescer, arriscando de forma consciente, reunindo meios para que o progresso por cá passe; os peões, cidadãos, eleitores e famílias para quem a política é o trabalho (como se dizia há cinquenta anos, noutro contexto).

    No meio do jogo os árbitros, ungidos pela legitimação popular, ou beneficiários de inventário de Montesquieu, no terceiro elemento da trilogia. São muito diferentes dos anteriores. Têm força, mas não podem ser força, nem desagregadora nem motora. Podem facilitar, ajudando quem pretende trabalhar para o bem público, conciliando quem, sendo parte legítima, se desconcertou, julgando depressa e bem, Não se lhes pode pedir mais do que aquilo que podem dar, mas é legítimo pedir-lhes, a uns que arbitrem, a outros que administrem boa justiça.”
• J. Bradford Delong, Quatro caminhos a seguir:
    “Quando uma economia mergulha numa depressão, o governo pode tentar fazer quatro coisas para que o emprego regresse ao seu nível normal e a produção volte ao seu nível "potencial". Chamemos-lhes a política fiscal, política do crédito, política monetária e inflação.”
• Pedro Adão e Silva, A política do carácter:
    “(…) as escolhas políticas baseadas em avaliações de carácter abrem caminho para todos os populismos. Desde logo porque não se conhecem formas credíveis de escrutinar no espaço público os carácteres. Aliás, o que se sabe é que a política baseada na superioridade de carácter resvala, frequentemente, para lideranças fortemente personalizadas, que estão na génese de populismos. De Chavez a Berlusconi, todos os populistas se afirmam pelo carácter exemplar das suas lideranças - exemplificado invariavelmente pelas mais diversas façanhas - e por estes serem detentores da verdade.

    Não é preciso andar excessivamente atento para perceber que, nos dias que correm, a mobilização política em Portugal é particularmente baixa.

    Num ano com três eleições num curto espaço de tempo e num contexto económico e social já de si muito complexo, este facto não pode deixar de ser visto com preocupação. Tem sido sugerido que esta desmobilização radica, em importante medida, no descrédito da classe política e na relação flutuante desta com a verdade. Contudo, não há nada que afecte tanto a mobilização política como a indiferenciação entre as ofertas partidárias ou a tentativa de, em lugar dos projectos políticos se apresentarem como alternativos, distinguirem-se com base no carácter dos seus protagonistas.

    Se nada nos é dado a escolher e o que temos de fazer é optar, como se estivéssemos num plebiscito moral, entre personalidades, torna-se na verdade difícil encontrar uma boa razão para votar.”

5 comentários :

Anónimo disse...

Permitam-me um esclarecimento:
o plural de carácter é "caracteres" e não carácteres como o Pedro escreve.

Anónimo disse...

Então não podemos escrutinar o carácter de um político?
Nos EUA os jornalistas investigam a vidinha dos políticos desde o kindergarten e ninguém se choca com isso.
Vamos avaliá-los só pela competência?
Tipo: passou dez anos da sua vida no gamanço, a explorar um bar de alterne e batia na mulher e nos filhos. Mas não importa, porque tem sido um excelente e muito competente ministro/presidente da Câmara/eurodeputado (riscar o que não interessa)!!!

Anónimo disse...

Então não podemos escrutinar o carácter de um político?
Nos EUA os jornalistas investigam a vidinha dos políticos desde o kindergarten e ninguém se choca com isso.
Vamos avaliá-los só pela competência?
Tipo: passou dez anos da sua vida no gamanço, a explorar um bar de alterne e batia na mulher e nos filhos. Mas não importa, porque tem sido um excelente e muito competente ministro/presidente da Câmara/eurodeputado (riscar o que não interessa)!!!

Anónimo disse...

Ó Anónimo
Essa do escrutínio nos E.U.tem muito que se lhe diga.
Recorde-se aquele célebre dia em que as grandes cadeias de televisão norte-americanas, todas elas, passaram a sequência das declarações de Monica Lewinski, com ínfimos pormenores só necessários para a gula das mentes escabrosas e das suas audiências. Nessa mesma hora, o presidente Clinton era aplaudido longamente, de pé, como ninguém antes, pelos delegados à assembleia da ONU. O Mundo falou ali alto e forte contra os perseguidores disfarçados de justiceiros.
O caso Lewinski foi um erro de Clinton e ele deixou-se enredar nas teias do processo. Contudo, a sua presidência era incomensuravelmente mais importante. Ele foi um grande presidente. Depois dos desastrosos oito anos do "puro" Bush podemos avaliar melhor tudo aquilo.
Cautela com os catões de meia-tijela.

Anónimo disse...

Não tomemos a árvore pela floresta.
É óbvio que nem tudo é perfeito nos EUA.
É óbvio que deram mais importância às mentiras sobre o broche de um, do que às mentiras sobre armas de destruição maciça do Iraque de outro.
É óbvio que eles abusam, e vão buscar as amantes, a copofonia, etc.
Mas lá no meio descobrem aqueles casos em que andam a "vender" o antigo lugar do Obama, e as fugas ao fisco, à tropa, etc.
É bom que os candidatos aos cargos públicos saibam que vão ser escrutinados,tem um excelente efeito dissuasor: para uns de se portarem mal, para outros de se candidatarem, porque já é tarde demais...
Eu acho que o carácter é importante tal como o percurso académico e profissional. Não serve só para pôr no CV, e já não se fala mais nisso.
Era só o que faltava!