- "Esteve vinte e quê anos no estrangeiro, nos sapatos, o que deu para fazer uma casa e um pé de meia para regresso mais ou menos sossegado.
Finalmente em casa, quando rendimento e juros começaram a escorrer como água ribanceira abaixo voltou a atracar-se aos sapatos com os dois filhos e duas noras, mais uma filha e o genro, aproveitando maré boa que permitia a fábricas de cem operários distribuir encomendas por chafarricas de dez instaladas em caves, garagens e cobertos tão provisórios quanto definitivos.
A coisa foi andando conforme as encomendas de lá de fora que entretanto secaram e agora dão muito à rasca para manter a fábrica maior.
Sem trabalho, muito mais velho do que novo, coabitando com algumas mazelas próprias da passagem por país onde a sede andava à solta, vivendo ele e a mulher de pequena pensão atribuída pelo Estado Português, ouve todos os dias gente a prometer e a reclamar apoios para as micro, pequenas e médias empresas – e pergunta-se:
— De que é que estão a falar? Como é que eles me vão dar dinheiro, se não tenho encomendas e as que já tive eram de outros? E se não posso arriscar-me a chamar a filharada outra vez para o mesmo que não deu para mais!
(Na televisão, um rapaz fardado de líder partidário acha que o aumento do desemprego é uma lição política e não uma tragédia que a todos deve preocupar sem calculismo ou hipocrisia.)"
- Manuel T., Santa Maria da Feira
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