- «Só por manifesto desvario político é que a líder do PSD pode ter dito publicamente que existe neste momento em Portugal um "intolerável clima de medo entre autoridades públicas e os cidadãos", acrescentando que "antigamente, receava-se ser preso caso se discordasse do poder instituído; hoje tem-se medo de perder o negócio ou o emprego; hoje tem-se medo de retaliação, tem-se medo de falar com desconhecidos, tem-se medo de ser escutado ao telemóvel".
Desde que, há uns meses, lançou a teoria da "claustrofobia democrática", nunca o PSD tinha descido tanto na exploração política da ficção de um "clima de medo" na actual situação política portuguesa. Desta vez, porém, a caricatura atinge os limites do desatino. Sabendo-se que Ferreira Leite não se estava a referir à Madeira, desde sempre governada pelo PSD, onde os atropelos à democracia são o que se sabe, a simples sugestão de um ambiente repressivo assimilável ao da ditadura do Estado Novo constitui uma intolerável insídia política, imprópria de um partido com as responsabilidades do partido fundado por Sá Carneiro.
Não existe manifestamente nenhuma relação entre a ficção do "medo" e a realidade política e social no nosso País. Nunca houve tanta licença para criticar o poder e, inclusivamente, injuriar e difamar os governantes. A imprensa nunca foi tão despejada na tarefa de demolição do governo, em geral, e do primeiro-ministro em especial. Os novos meios de informação e de opinião, designadamente a blogosfera, não deixam por mãos alheias os seus créditos "libertários" (e outros menos virtuosos). Nunca houve tanto escrutínio público de todos os interstícios do poder político.
O panorama não muda dentro do próprio sector público. Dadas as reformas empreendidas nesta legislatura em muitos serviços públicos e na administração pública em geral, foram numerosos os protestos e as resistências que elas suscitaram. Sindicatos e outras organizações profissionais mobilizaram-se repetidamente contra as referidas reformas, como os professores, os enfermeiros, os polícias, os militares, os magistrados do Ministério Público, os funcionários públicos em geral. Houve manifestações, greves, abaixo-assinados, vigílias - e nem todas legais. Não faltaram "esperas" ao primeiro-ministro, vaias e insultos ao Governo e aos seus membros. Ora, no meio deste ambiente aquecido de excessos verbais e de protesto sem limites, não houve sequer menção de recurso à repressão policial, nem a sanções ou represálias para contrariar a contestação ou perseguir os seus protagonistas.
Pelo contrário, instalou-se um clima de laxismo e de complacência generalizado, mesmo perante as situações do sectarismo mais intolerante, dos insultos mais soezes e de verdadeiras agressões à integridade moral das pessoas (que os políticos não deixam de ser). Toda a gente diz tudo o que lhe dá na gana. Com excepção dos sectores das forças de segurança e das forças militares (também o que faltava!), o estatuto disciplinar e a lei penal quase entraram de licença sabática, em matéria de infracções praticadas a pretexto da crítica e do combate político. Neste contexto, falar de um "clima de medo e de intimidação" constitui uma flagrante contradição com a realidade, não passando de um exercício de fértil imaginação política e da rasteira demagogia política.
Para quem diz cultivar uma "política de verdade" - como se arroga (mas pouco pratica) o PSD -, não se poderia imaginar exemplo menos decente (politicamente falando) de política da mentira. O primeiro partido da oposição não pode tentar disfarçar a sua incapacidade para mobilizar os portugueses para as suas propostas políticas (ou melhor, falta delas) com uma manobra tão antiga e tão flagrante do mais chilro embuste político, como é a invenção de um imaginário "clima de medo".
Infelizmente, o PSD tem-se especializado na exploração de outros medos e receios menos fictícios das pessoas, como o medo do desemprego e o receio do futuro, no actual contexto de recessão económica global e de insegurança quanto ao que ainda pode vir.
Não existe informação nem previsão mais negativa sobre a retracção económica e sobre a evolução do desemprego com que o PSD não rejubile e a respeito da qual não augure que as coisas ainda vão piorar, contribuindo assim para adensar o pessimismo e os receios de toda a gente. Não há medida governamental em favor do investimento público (para criar emprego e dinamizar a economia) ou de apoio às empresas e aos mais atingidos pela recessão, que o PSD não denigra ou não condene. Não existe sequer uma política, por mais incontestável que seja (como por exemplo a aposta nas energias renováveis), que o PSD não desvalorize ou não desvirtue.
A táctica do medo atinge o paroxismo com a exploração de uma suposta "hipoteca" sobre as gerações futuras, a pretexto do alegado endividamento público causado pelos chamados grandes investimentos públicos em infra-estruturas (como o aeroporto, o TGV, a nova rede rodoviária, as plataformas logísticas, etc.), que na verdade são feitos com capitais privados, não implicam significativo endividamento público e que, em geral, se pagarão a si mesmas, através das receitas da sua exploração ao longo do seu período útil de vida. Na verdade, o que ficará para as gerações futuras é a disponibilidade de infra-estruturas e equipamentos, que aumentarão o seu potencial de desenvolvimento e de bem-estar, e de que só terão de pagar o proveito que delas hão-de tirar, como a actual geração paga o uso das infra-estruturas que recebeu do passado.
Tendo deixado para o CDS-PP a exploração dos medos mais primários e mais ancestrais, como o medo da insegurança e do crime e o medo da imigração, o PSD especializa-se em tirar proveito de medos que ele próprio inventa, à falta de melhor. Assim se faz política de oposição entre nós. Sem elevação, nem responsabilidade.»
2 comentários :
Já decidi. Vou votar Vital.
Minilogue
Excelente.
Só o cego psd não vê no ridiculo das suas afirmações.
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