- ‘Ler um jornal com atenção do princípio ao fim é um exercício útil e, tantas vezes, delicioso. Entre outras coisas, dá para perceber as ironias da vida. Dei por mim a pensar nisto na quarta-feira passada, depois de ter lido o DN.
A pp. 21, fiquei a saber que a Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa (PGDL) havia arquivado um processo contra um magistrado do próprio Ministério Público que, apanhado por um polícia a falar ao telemóvel enquanto conduzia, se recusou a assinar o auto, a pagar a coima e ainda mimou o agente da autoridade policial com os seguintes mimos: “Eu não pago nada, apreende-me tudo, caralho. Estou a divorciar-me, já tenho problemas que cheguem. Não gosto nada de me identificar com este cartão, mas sou Procurador. Não pago e não assino. Ai você quer vingança? Então o agente Frederico ainda vai ouvir falar de mim. Quero a sua identificação e o seu local de trabalho”.
E com base em que raciocínio é que a PGDL arquivou o processo? Vejamos:
Uma vez que o Mui Distinto Procurador não disse “Vai para o caralho” ou “és um caralho”, mas apenas “Eu não pago nada, apreende-me tudo, caralho”, e uma vez que estava perturbado pelo processo de divórcio em curso, a PGDL entendeu que não havia qualquer crime de injúrias. E quanto à ameaça sobre o polícia, a PGDL considerou que não encerrava qualquer promessa de um mal futuro.
Vai daí o colega arquivou o processo relativo ao colega. Corporativismo??? Nada disso! São apenas bons colegas.
Ora, qual não é o meu espanto quando, no mesmo jornal, a pp. 55, leio o Juiz António Martins a defender a honra do convento judicial e a criticar todos aqueles que criticam os agentes judiciários, com o argumento de que tais críticas, ao ferirem a honorabilidade e o prestígio dos tribunais, afectam toda a sociedade. Afirma o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses que o “o resultado dessas atitudes [críticas] é apenas a deslegitimação dos tribunais, com reflexos negativos para os bons cidadãos. Quanto menor for a autoridade soberana do Estado, exercida pelos tribunais, mais estes cidadãos ficarão desprotegidos e os não cumpridores se considerarão «acima da lei»”.
Agora pergunto-me eu: se querem ser respeitados, não deveriam também dar-se ao respeito???’
2 comentários :
Parece que o Vice PGR já mandou reabrir o inquérito. Será que o Cluny vai dizer que a autonomia do magistrado que escreveu tal disparate está em causa?
É verdade que mandou. Ver a crónica de Teixeira da Mota no Público. Mas fê-lo passando por cima da competência da Procuradora-Geral Distrital de Lisboa. O MP já não é apenas uma questão de duques, marqueses ou condes. Está sem Rei nem Roque.
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