Carta de Rui Vieira Nery, sobre o CLAC, hoje publicada no DN [via Eduardo Pitta]:
- ‘A coluna de opinião assinada pelo Sr. Alberto Gonçalves no DN de domingo, 19/07/2009, relativa ao manifesto de apoio à candidatura de António Costa subscrito por um conjunto de cidadãos lisboetas que exercem o seu direito natural de opção política pública, reveste-se de um tom de grosseria tão rasteiro e de uma ignorância tão gritante da vida cultural portuguesa, que não posso deixar de lhe pedir, Senhor Director, a publicação do seguinte esclarecimento.
Nunca tinha dado pela existência do Sr. Gonçalves, num desconhecimento que, estou certo, será recíproco, dado que imagino que o Sr. Gonçalves, que manifestamente não tem qualquer familiaridade mínima com o campo da cultura - e muito menos com a área obscura da Musicologia, em que procuro ganhar a vida honestamente - também não tenha nenhuma razão para ter ouvido falar de mim ou do meu trabalho. Não me ofende quem quer, e as tentativas de ofensa do Sr. Gonçalves são-me por isso indiferentes a título pessoal.
Mas mesmo uma coluna de opinião - sobretudo num jornal com a estatura e a dignidade do Diário de Notícias - tem de ter um suporte de informação minimamente sério. É essa seriedade elementar que falta ao texto do Sr. Gonçalves que, em primeiro lugar, não se baseia no manifesto original mas sim numa breve notícia de jornal que não é, evidentemente, da responsabilidade dos subscritores do mesmo, e ainda por cima insulta e calunia, a pretexto de uma mera diferença de postura política, que em si mesma só seria saudável, um conjunto de figuras que deveriam estar acima deste tipo de baixa política e ser respeitadas como pessoas de bem que, no seu conjunto, fizeram muito pelo seu País e sempre foram como tal reconhecidas.
Não me prendo em mais considerações gerais, que seriam inúteis face à evidência dos factos. Dos apoios ao manifesto, não falando já da figura de Eduardo Lourenço, que o Sr. Gonçalves tem a gentileza de excluir da vala comum, constam um Prémio Nobel (José Saramago, que haveria que respeitar para lá de todas as divergências ideológicas) e dois Prémios Pessoa (José Mattoso, sem dúvida o maior historiador português vivo, e Irene Pimentel). A Arquitectura está representada por um dos grandes nomes de referência desta disciplina, Nuno Teotónio Pereira, e as Artes Plásticas pela maior figura actual da Pintura portuguesa, Júlio Pomar, e por nomes indiscutíveis como Ana Vidigal, Eduardo Nery, Joana Vasconcelos, João Abel Manta ou Leonel Moura.
Na Poesia subscrevem o manifesto Ana Hatherly, Fernando Pinto do Amaral, Gastão Cruz, Liberto Cruz, Maria do Rosário Pedreira, Maria Teresa Horta, Nuno Júdice e Pedro Tamen, ou seja, alguns dos mais representativos poetas portugueses das últimas quatro décadas - e também Eduardo Pitta, de quem recomendo ao Sr. Gonçalves, para passar a conhecer melhor os seus alvos, a recente e notável edição crítica da obra poética de António Botto. Da Ficção estão representados Isabel da Nóbrega, Maria Teresa Horta, Maria Velho da Costa, Lídia Jorge, Teresa Rita Lopes. E do campo do ensaísmo e dos estudos universitários sobre Artes, Literatura, História e Ciências Sociais ali estão autores de referência como Alfredo Campos Matos, Eugénio Lisboa, Helena Cidade Moura, Isabel Allegro Magalhães, José Luís Saldanha Sanches, José Rebelo, Maria Alzira Seixo, Maria Helena Mira Mateus, Maria João Brilhante, Maria Lúcia Lepecki, Mário Murteira, Mário Ruivo, Miriam Halpern Pereira, Raquel Henriques da Silva, Rosa Maria Perez, Sílvia Chicó ou Vítor Matias Ferreira e Vítor Serrão.
Das Artes do Espectáculo pode o Sr. Gonçalves encontrar um grande número das figuras de primeiro plano do Teatro português: Beatriz Batarda, Catarina Avelar, Cristina Reis, João Lourenço, Lia Gama, Maria do Céu Guerra ou Rui Mendes. E da Música estão, entre outros, os nomes do compositor Alexandre Delgado, do Maestro António Victorino d'Almeida e do alaudista Manuel Morais, para lá de artistas do maior relevo da nossa música popular urbana - inclusive do fado, que o texto do Sr. Gonçalves trata com uma sobranceria caricata, como Carlos do Carmo ou Camané. Tudo isto são factos e não opiniões. Não há entre estas senhoras e estes senhores da Cultura portuguesa que acabo de citar (perdoem-se-me as omissões de tanta mais gente respeitável da lista de subscritores) um único que seja funcionário da Câmara de Lisboa ou dela dependa ou tenha dependido para o exercício da sua profissão. Todos eles se limitam a manifestar publicamente o seu apoio a um dos candidatos à presidência do município e a convidar os demais eleitores a acompanhá-los nessa opção. O Sr. Gonçalves terá outra, que é clara nas entrelinhas, mas quero crer que conheço o suficiente do Dr. Pedro Santana Lopes, que é uma pessoa bem-educada, para garantir que ele seria o primeiro a não subscrever o estilo chocarreiro e insultuoso desta coluna. É que é possível fazer política na Comunicação Social, da Extrema--Esquerda à Extrema-Direita, sem sacrificar os valores mínimos da deontologia jornalística e da simples civilidade. Plenamente confiante no sentido de isenção do Diário de Notícias e do seu Director, subscrevo-me, com os melhores cumprimentos.’
2 comentários :
É acessório, admito, mas despromover Vitorino Magalhães Godinho (vivo e activo) para «promover» Mattoso era escusado, mesmo com o alto propósito de derrotar Santana.
Deixá-lo... São vozes que não chegam aos céus. Mas é pena que cheguem ao DN. Não haverá por aí uma coisinha menos má?!...
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