- ‘Se não bastassem as propostas políticas conhecidas do PCP e do Bloco de Esquerda, as declarações eleitorais dos seus líderes e porta-vozes não deixam dúvidas sobre o grau de arcaísmo político e ideológico da esquerda comunista e neocomunista entre nós. Nesse aspecto, a entrevista dada na semana passada pelo secretário-geral do PCP a um jornal diário não podia ser mais exemplar.
Mais do que noutras geografias, entre nós a "esquerda de protesto" vive de duas inimizades ancestrais. Por um lado, a hostilidade à economia de mercado e à liberdade económica, mesmo se regulada e controlada pelo poder público, como sucede na generalidade dos países europeus e é defendido fortemente pela esquerda moderada. Por outro lado, a aversão aos partidos socialistas e sociais-democratas, em geral, aos quais negam desde logo a inclusão na esquerda, tal como a concebem, e cujas políticas sempre acusam de "políticas de direita", iguais ou piores do que as da própria direita.
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A proposta do PCP de renacionalização da banca comercial e do sector energético, bem como de fixação administrativa dos preços da energia, inscreve-se nessa linha, aliás secundada no fundamental pelo BE, que compartilha com aquele a mesma inspiração ideológica, dogmaticamente anticapitalista e antiliberal.
Está bom de ver que não têm nenhuma razão na sua crença de que tais ideias estão de novo na agenda, só porque o neoliberalismo das últimas décadas desguarneceu as defesas que permitiam ao Estado regular os mercados e salvaguardar a estabilidade económica, o crescimento e o emprego.
Porém, para além disso, cabe perguntar qual seria a equação financeira dessas renacionalizações e como é que elas poderiam ser financiadas, no pressuposto de que os autores da ideia não se propõem nacionalizar sem indemnizar. Basta um pequeno cálculo por alto do valor do sector energético e a banca - sem incluir as empresas estrangeiras que operam entre nós e que detêm posição de relevo nessas actividades - para ver que as indemnizações implicariam um colossal e insuportável endividamento do Estado, cujos encargos pesariam insuportavelmente sobre a gestão orçamental durante décadas.
E que dizer da proposta de regresso ao controlo administrativo dos preços da energia (combustíveis e electricidade), na base dos novos monopólios públicos? Como é que esses sectores financiariam as suas necessidades de avultados investimentos?
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O segundo traço acima referido da caracterização política da esquerda antiliberal entre nós tem a ver com o maniqueísmo ideológico na sua relação de hostilidade com o Partido Socialista, ostensivamente erigido em "inimigo principal", fazendo lembrar os períodos mais sectários da relação histórica entre o comunismo leninista e a social-democracia. Daí a postura sistematicamnte belicosa contra o PS, bem como as juras - que são para ser levadas a sério, tal o fosso entre as duas áreas políticas - de indisponibilidade para qualquer entendimento na esfera governativa.
Ao ouvir certas declarações mais destemperadas de alguns dirigentes do PCP e do BE (ver os seus últimos congressos), dir-se-ia que voltámos ao tempo em que os partidos estalinistas qualificavam de "sociais-fascistas" os partidos sociais-democratas, contribuindo dessa forma para abrir um fosso irreparável na luta contra a ascensão do nazismo e do fascismo nos anos 30 do século passado.
Agora, é evidente que não está em causa sequer o regime democrático, mas não podem restar muitas dúvidas de que a principal prioridade de tais partidos é derrotar o PS, mesmo que isso acarrete, como seria inevitável, a entrega do poder à direita.
O mais estranho é que, nessa eventualidade, o PCP e o BE contribuirão para pôr fim a uma governação socialista que, como poucos governos no passado, colocaram a prioridade na sustentabilidade e robustecimento do Estado social, que é o principal alvo da direita, ainda por cima em difíceis condições financeira e económicas. Poucas vezes se fez política socialmente progressista em condições tão exigentes.
É caso para dizer que nestas eleições há duas maneiras de levar a água ao moinho da direita. Uma, directa, é votar nos respectivos partidos. Outra, indirecta, é votar no PCP e no BE. Isso pode ser natural para quem perfilha as ideias "revolucionárias" de outrora, segundo as quais o Estado social não passa de "paliativo" dos males do capitalismo, que só a sua abolição remediará. Mas dificilmente fará sentido para os muitos que, apesar das divergências quanto a políticas sectoriais, acreditam na via do socialismo moderado e reformista, como meio de domar o capitalismo selvagem e progredir na igualdade e na justiça social.’
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